Quando somos pequenininhos e ganhamos nosso primeiro Manto Sagrado ninguém, nem pai, nem mãe, nem tio ou padrinho, nos explica o que ser Flamengo significa exatamente. Geralmente quem nos oferta o Manto também não sabe e às vezes nem Flamengo é. Cada um de nós precisa descobrir sozinho, com as ferramentas que tiver à mão, que vestir aquele Manto significa muito mais do que usar uma roupa extraordinariamente bonita. O processo dessa descoberta pode levar anos. Ser Flamengo de forma plena e integral implica em assumir uma identidade coletiva pré-existente e ao mesmo tempo ser um ente destacado, capaz de questionar o ser e compreende-lo. Como o Dasein de Heidegger, que se não fosse alemão e tivesse nascido na Vila da Penha certamente chegaria ao elemental Didididiê pra nos ajudar a segurar essa barra que é gostar do Mengão.
Revejam os últimos 5 dias da sua vida. Percebem o que o Flamengo faz com a gente? Nos conduz da mais cava depressão a picos de euforia, nos aplica rasteiras ao mesmo tempo em que nos tira o chão. Para ser Flamengo é essencial a compreensão da transitoriedade e da fluidez do mundo e dos seus valores. Um dia pobre, outro dia rico, da indigência à glória, da lama ao caos. A única permanência possível é mesmo o Flamengo, e desconfio, apenas porque não se oferece ao ser Flamengo qualquer alternativa mais palatável ou vantajosa.
No começo da tarde de domingo o Campeonato Brasileiro para o Flamengo foi pro ovo. Uma tragédia, mas que não chegava a ser uma novidade. Desde 1971 a mesma coisa já tinha acontecido 40 vezes e em algumas ocasiões, ainda mais cedo do que na 19ª rodada. A consequência foi que a Rainha de Copas, insuflada pelos brados dos Jovens Turcos, ordenou que se cortasse a cabeça de Alice. Se havia algum ineditismo na solução adotada se devia exclusivamente ao retrospecto de Zé Ricardo, que apesar de alinhar no currículo apenas conquistas menores como a Copinha e o Campeonato Carioca, exibia um aproveitamento de 62, 2% e assinava as melhores campanhas do Flamengo em Brasileiros na era dos pontos corridos.
Mas estatísticas só servem para justificar decisões difíceis que serão fatalmente tomadas, possuindo ou não algum lastro racional. O aproveitamento de Zé Ricardo era bonito, mas ordinário. Na hora que o couro comeu, nos grandes jogos que decidem destinos, ele não entregou nem uma fração do que dele se esperava. Zé Ricardo representava uma ideia, um conceito, uma maneira de pensar o futebol a longo prazo, olhando além do horizonte próximo. Uma bela e excitante filosofia que não resistiu à duas traulitadas em sequência. E foi descartada sem maiores dramas, em nome da governabilidade, da paz de espírito e do irrefreável e muito humano desejo dos gestores do clube de serem amados pelas massas. Sem esquecer que o Flamengo de Zé Ricardo, ultimamente, tava jogando mal para caralho.
A velha canção da excelência em gestão foi esquecida, deu-se um bico no tabuleiro e mandou-se o homem pra rua algumas horas após a embaraçosa derrota pro Vitória sem ao menos haver um substituto acertado. Na primeira manhã pós-cataclismo o ser Flamengo se encontrava numa espécie de limbo. Para onde vamos? A única certeza era que o velho Jayme estaria à frente da equipe para enfrentar o desinteressado Palestino no jogo de volta da desenxabida Sul-americana. Jogo de pouco valor que se revelou de uma previsibilidade atroz. Até o 1º gol nos profissa da joia Vinicius Jr estava previsto. O Palestino já havia perdido a vaga nas oitavas lá em Santiago, fizeram questão de vir ao Rio só pra curtir a praia e pegar mulher em Copacabana. E quem pode condena-los? Quem não faria exatamente a mesma coisa? Na Ilha meio vazia os meninos meteram 5 gols no Palestino. Excelente! Página virada, aguardemos os dois jogos com a Chape pra saber se, a exemplo de todas as edições anteriores, essa vai ser a Sul-americana mais moleza da história.
Mas antes mesmo da classificação na Sula o ser Flamengo pôde deixar o limbo da incerteza. O altamente conceituado Reinaldo Rueda está praticamente fechado e, sem ironias, só falta assinar. Para quem não é entusiasta da eletrizante Liga Colombiana, e nem pensou em assistir à Libertadores 2016, o currículo de Rueda, uma unanimidade entre a facção minoritária da torcida do Flamengo conhecida vulgarmente como FlaTwitter, não é exatamente uma Brastemp. Participar de 2 Copas do Mundo dirigindo Honduras e Equador é evidentemente algo bacana, mas chamo a atenção para o fato de Rueda ter conseguido apenas uma vitória a mais que a coreógrafa Debora Colker, que também levou a equipe que dirigia à duas Copas. Os desafios que Rueda terá que encarar no Flamengo são indiscutivelmente mais cascudos.
O mais importante na contratação de Rueda, além dele ser um gringo estudioso e rodado nas Europa, ainda não contaminado pelas manias, mumunhas e jequices do peculiar ludopédio auriverde é que o Flamengo sinaliza um desejo de implantar nova mentalidade, uma visão de longo prazo, uma quebra nas repetitivas fórmulas de se gerir um clube de futebol . . . Estranho, tenho a impressão de que já ouvi essa conversa antes. Esquece, deve ser só impressão.
Um dos maiores medos do ser Flamengo é não estar entendendo nada do que está acontecendo. Que só é suplantado pelo medo de estar entendendo tudo errado. E até agora subsiste a dúvida se o Flamengo o traz para revolucionar o nosso futebol ou apenas para ganhar tempo. Porque é lógico que não dá pra cobrar muita coisa de um gringo que chega quando a chapa tá quentona, às vésperas de uma semi da CB. São tantas burocracias exigidas por nosso zeloso Ministério do Trabalho que não se sabe quando Rueda vai conseguir dar um treino no Ninho. Para manter uma administração de expectativas realista é mais seguro dar como certo que no banco das duas partidas contra o dileto freguês Foguinho quem estará dando as ordens será o Jayme.
Sim, o Jayme, que já tem uma Copa do Brasil na cristaleira da sua sala e possui duas raras qualidades que o Rueda, por mais fodaralho que seja, vai ter que ralar muito pra poder se equiparar: o Jayme já chacoalhou muito o Foguinho e conhece como poucos a complexidade ontológica do ser Flamengo. Nessa matéria o Rueda vai ter muito o que aprender com ele.
Mengão Sempre
Arthur Muhlenberg
Ótimo texto do Muhlenberg. Devia fundar uma academia de Rubro-Negrismo racional.
Extra Online 20:10hs
Flamengo demite técnico Gilmar Popoca, que sucedeu Zé Ricardo na base: ‘Covardia’——————————————————————————————————————-
Dificil entender o Flamengo, a gestão de futebol, não sabem de nada, vivem sob um eterna vaidade…
Jayme conhece bem mesmo o Flamengo. – Conhece como conspirar contra os treinadores que passaram por aqui. Fazer conchavos e panelas, são especialidades de Jayme.
Kkkkkkkkkkkk
Gostei do texto, mas ta muito amém pra diretoria.
O ser Arthur já foi mais crítico e nem ele, ferrenho defensor do ZR, aguentava mais aquele bando em campo.
Não vi assim, não. Ele deu várias cutucadas na diretoria, além das críticas explícitas.
Não vi assim, não. Ele deu várias cutucadas na diretoria, além das críticas explícitas.
O Muhlenberg tá cada dia pior nesse sentido. No twitter tá toda hora defendendo Marcio Araujo e criticando a torcida.
“”Mas estatísticas só servem para justificar decisões difíceis que serão fatalmente tomadas, possuindo ou não algum lastro racional.””
Ave, Grão Mestre Arthur…!!!
Phodaralho…
Mengão sempre!!!
Belo texto,real e humorístico.
Tomara que esse Rueda seja muito bom mesmo,pq só bom,nao vai bastar,o corporativismo já está dando as caras,inprensa,outros treinadores,todos torcendo e conspirando pra dar errado,…será um projeto de médio prazo,fatalmente lá pra agosto,setembro de 2018,o velhote se aguentar até la,assumira a seleção de seu país,portanto e bom que a torcida tenha consciência que o que não faltará,e gente da mídia pra criticar e tentar formar opinião…
Que são Judas Tadeu estaja mais do que nunca,afim de interceder pelo mengo..
Verdade pura.
É… as Ricardetes não se conformam. Nunca vi tanta paixão por um cara tão medíocre, um sujeito que quando teve as melhores peças na mão e naufragou miseravelmente. O Rueda nem chegou e tem gente pedindo Jaime… Não pode ser sério. Eu queria realmente entender as razões dessa viuvez dolorida pelo ZR, de verdade.
Fala-se muito da “Flatwitter”. Se a flatwitter mandasse realmente alguma coisa o ZR tinha caído depois daquela vergonha da Libertadores e já estariamos livres de Marcio Araujo, Vaz e Gabriel há muito tempo… Resumindo, as coisas estariam bem melhores. Tomara mesmo que escutem mais a Flatwitter.
Já estava com saudades de ler um texto decente como esse do Arthur Muhlenberg.