Coluna do Torcedor: “Pela bola ou pelo coração – assim vence o Flamengo”

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Como todos os flamenguistas já sabem, se não podemos vencer porque somos melhores, vencemos porque tivemos mais raça. Sempre foi assim e, assim, sempre será!
Sou um admirador chato de futebol; um homem que não se apercebeu que a juventude e os anos de Zico, Junior e companhia passaram. Futebolisticamente, azedei-me.
Cresci dentro do Maracanã, acompanhando incontáveis jogos do Mais Querido. Confesso que, ocasionalmente, também assisti a outras esquadras, pois sinto prazer em assistir futebol, quase tanto quanto tenho prazer em torcer pelo Flamengo. Porém, não considero os dias que fui ao Maracanã para ver outras agremiações verdadeiros dias de futebol. Os únicos e verdadeiros dias tinham que ter o Flamengo no Maracanã. Isso porque, mesmo os times fracos do Flamengo eram ótimos; os times ruins foram exceções raras. Vi esquadrões gloriosos, que dominaram, por mais de uma década, o país do futebol. Entretanto, mesmo dotados de técnica refinada, e frequentemente superiores aos adversários, não venciam apenas pela “categoria” e habilidades pessoais. Vi batalhas épicas serem vencidas pelo coração – como, aparentemente,  a batalha contra o Junior Barranquilla nas semifinais da Sula. Eu sofri “cego e surdo” durante o jogo, dentro de avião em um voo entre Auckland e Dubai – uma daquelas estripulias da vida que te leva para longe do lugar que você mais ama: o Maracanã.
É preciso de que se diga que não há diferença alguma na celebração quando se vence pela bola ou pelo coração: a alegria é, em teoria, a mesma. Em teoria, porque para os rubro-negros não é assim. Vencer com o coração é algo que trazemos conosco. É a comunhão entre time e arquibancada. Quando o flamenguista vai ao estádio,  não vai apenas para ver o time jogar ou comemorar vitórias. Quando nós flamenguistas vamos ao estádio vamos para ajudar o time vencer, Flamenguistas não assistem a jogos o torcedor flamenguista vai ao estádio para jogar!
Como todo atleta, antes de uma disputa,  o torcedor/ jogador flamenguista fica insone na noite anterior, se concentra antes do jogo,  escolhe o fardamento e a indumentária, entra no campo junto com os companheiros para disputar a partida. E, assim, também celebramos nossas vitórias! Se a torcida fosse, de fato, um jogador seria escolhido,  na maior parte das vezes,  o melhor jogador em campo. Mas, essa avaliação de performance não é válida e, no fundo, pouco importa. Somos, a um só tempo, time, torcida, jogadores e estádio vivendo em comunhão.
Por todos os cantos do mundo vou aos estádios, para admirar o “beautiful game” e já  vi diversas torcidas da Dinamarca, a Patagônia, da Nova Zelândia a Índia e, apesar de de elas  terem os seus atributos e belezas, nós somos os únicos que viramos para nós mesmos e nos aplaudimos. Quando estou pelo mundo, em algum lugar menos passional, frequentemente sou questionado: como é possível amar tanto um clube? Como se pode acreditar que o torcedor rubro-negro vai ao estádio para jogar? As respostas são simples: eu não sei, nascemos assim. A verdade é essa, nascemos flamenguista e não conseguimos explicar.
E há milhões de exemplos onde a nossa comunhão torcedor/time venceu batalhas. Duas, porém,  que guardo com maior carinho, além do lendário gol de Rondinelli, o deus da raça. A primeira foi o gol que a torcida fez na disputa de pênaltis, entre Flamengo e Fluminense, em 2001. Nessa disputa, o jogador do Flamengo bate o pênalti , o goleiro defende, a bola quica na pequena área e, então, a torcida empurra a bola, que vai parar dentro do gol. A segunda, mais especial para mim, foi o gol de Leandro, no triangular final de 1985 – e para esse jogo escreverei até um texto especial, posteriormente.
Na realidade, eu poderia editar uma enciclopédia com esses feitos, sem muito esforço. Flamenguistas verteriam lágrimas porque,  no fundo, quando vencemos com o coração sabemos que estamos todos jogando. Mas, o  que queremos não é apenas vencer com o coração. Não conseguimos fazê-lo todas as vezes que jogamos!  É preciso que o time jogue bem. Afinal, por mais forte que seja a nossa torcida, não temos pernas. Não queremos saber se o time tem ou não tem alma – o famoso DNA vencedor. Queremos que o time jogue futebol.  Obviamente, não importa quão mal o time esteja, sempre jogaremos juntos. Queremos ser campeões. Mas, queremos que  o time vença porque jogou bem,  porque estava bem organizado, porque tinha bons jogadores e, eventualmente, quando foi necessário, a torcida entrou – como entrará sempre, jogou junto e resolveu.
Hoje, entretanto, o nosso time, esta muito limitado como time. Atualmente, o futebol não perdoa times que não são sejam de fato um “time”.
E, o primeiro passo para a que a torcida entre,  e ajude a vencer os jogos, é que os 11 sejam,  de fato, um time que joga como uma unidade organizada e eficaz. Sem essa unidade nossa ajuda sempre será incompleta. Afinal, como já foi dito, jogamos junto mas não temos pernas. Depender só dessas vitórias do coração não é suficiente para uma vitória a longo prazo. Venceremos a Sula com o coração mas precisamos de um time. Vencer a Sula pode disfarçar a certeza indelével de que temos jogadores que não joga como um time.  Não há, no Flamengo, uma relação simbiótica entre indivíduos e grupos. Admitimos  que é preciso mais tempo, que há carências, que não há repouso entre os jogos e que temos tido muito azar com contusões. Mas, se houvesse um time, todos esses pormenores seriam menos importantes.
O que acontece no Flamengo está escancarado no futebol brasileiro. Acompanhando, desde 2009, os campeonatos internacionais, vejo que a diferença de habilidades individuais diminuíram muito. Mas, por sermos o maior país do mundo cujo esporte principal é o futebol, continuamos na dianteira. Por outro lado,  ficamos muito para trás na parte tática. Times medianos e pequenos, em países europeus, tem um bom padrão tático, variações de jogadas e jogam compactos, com linhas intercaladas e móveis. No Brasil, ainda nos enganamos com bravateiros que chegam ao topo de uma copa do Mundo apenas na empolgação.
O Flamengo conseguiu, por 4 rodadas , em 2016 um padrão tático razoável, mas facilmente repelido.Foi o melhor que conseguimos em anos. Depois da novidade inicial, qualquer time aprendeu a jogar e anular o Flamengo, e assim ainda permanecemos, anulados. O técnico anterior, mesmo com um apoio único no país, não foi competente para conseguir uma variação tática decente. Lembremos : dobrar os laterais não é invenção ou sequer  pode ser considerado uma variação tática.
Por ter esse azedume perene, eu não consigo acreditar que seja impossível arrumar um time sem zilhoes de dólares. Até agora, o Rueda não faz um bom trabalho, porém desfruta do benefício da dúvida, e tem crédito. O Atlético Nacional de Rueda jogava como um time. O que nos passa na cabeça, como torcedor, é a seguinte pergunta : terá sido sorte? Não é  possível que ninguém da diretoria do Flamengo tenha se perguntado o que foi preciso fazer para o AN jogar daquela maneira?! Como podemos saber que não foi acaso? As perguntas são pertinentes e requerem um escrutínio profundo. Montar um time que jogue como um time leva tempo e, potencialmente,  pode requerer treinos específicos e individuais e, o que é pior, não tem receita para isso. O treino para um grupo pode não dar certo para outro; tudo depende de como os jogadores conseguem decodificar o trabalho tático. O Corinthians foi um mixto entre a continuidade de um trabalho de anos e muita sorte. Um trabalho  que da ênfase a um plano tático. O time entendeu e manteve a proposta tática e desde 2009 tem como prioridade o jogo tático.
E eu só quero que meu time jogue como um time. Sou um homem que vê o futebol através olhos do menino que conheceu futebol no Maracanã lotado,  na década de 80, como o Flamengo sendo o protagonista da bola e do coração. Um menino que assiste ao futebol como um homem que, por falta de oportunidade para me tornar um jogador de verdade, virou mais um dos 40 milhões  de torcedor-jogador…
E quando o lateral esquerdo, Cássio, cobrou o pênalti da marca da cal, a bola foi rebatida pelo goleiro, quicou na pequena área e com os gritos da torcida que a viam de frente, empurraram a bola, com seus corações, para a rede, fez-se alívio, material o gol da torcida. Aquela foi uma das provas incontáveis de como vencemos jogos.
Há duas coisas que a torcida quer: um time que jogue como um “time “ e raça. Não importa o que seja ouvido das arquibancadas, queremos  mostrar ao mundo inteiro que a festa vai começar…
No fundo da garganta de todos da torcida do Flamengo o que existe, na verdade, é uma marcha, em tom grave, que segue a batida de um coração… e que clama, como um mantra, disfarçados em outros cânticos, uma única palavra, que saí em uníssono e diz raça, raça e raça. Que assim seja o final de 2017, que vençamos sem time mas com raça, e que em 2018 criemos um time.

Fabricio Chicca


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A coluna acima é de responsabilidade de seu autor e não reflete necessariamente a mentalidade do Coluna do Flamengo.

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