Imagine que você defenda a seleção de seu país há 13 anos. Que some 86 partidas com a camisa da equipe nacional e seja o maior artilheiro da história. Comeu o pão que o diabo amassou em edições passadas das Eliminatórias, enquanto carregou o time em campanhas dignas na Copa América. E por mais que não tenha tantas estrelas ao seu lado desta vez, justamente naquela que poderia ser a última chance, às vésperas de completar 34 anos, a Copa do Mundo aparece em seu horizonte. Será preciso atravessar o mundo, mas serão apenas mais dois jogos. Dois jogos para encerrar uma espera de mais de três décadas. E quando o momento decisivo está prestes a acontecer, seu castelo de sonhos desaba sobre sua cabeça. Paolo Guerrero, suspenso provisoriamente pela Fifa por 30 dias, após ser flagrado no exame antidoping, não poderá disputar a repescagem pela seleção peruana.
Neste momento, não cabe qualquer juízo de valor sobre a maneira como agiu Guerrero. Afinal, há muito a se esclarecer. O que se sabe, com certeza, é que ele ingeriu uma substância proibida conforme o regulamento da Agência Mundial Antidoping e testou positivo após o empate contra a Argentina em La Bombonera, pelas Eliminatórias da Copa do Mundo de 2018. Segundo Fernando Solera, chefe do controle antidopagem da CBF, a substância consumida se enquadra na “classe S6” – ou seja, um estimulante, de origem não especificada. O atacante terá direito a pedir uma contraprova. Conforme as informações apuradas pela jornalista Gabriela Moreira, um remédio para gripe seria a explicação do veterano sobre o episódio, embora ele ainda não tenha se manifestado publicamente.
Fato é que, se não acontecer uma reviravolta muito improvável no caso, Guerrero perderá os dois jogos contra a Nova Zelândia. A viagem para a Oceania acontece já no início da próxima semana, com o primeiro duelo marcado para o sábado. Quatro dias depois, as equipes se reencontram em Lima. Mesmo se recuperando de um problema físico no Flamengo, o atacante havia sido convocado por Ricardo Gareca para os compromissos. Era nome certo por tudo o que representa aos Incas.
A importância de Guerrero se escancarou na reta final das Eliminatórias. O Peru tem outros jogadores de qualidade, mas depende bastante da presença de seu artilheiro. É ele quem chama a responsabilidade em diversos momentos. Que anota gols importantes, como foi aquele que selou o empate com a Colômbia, em um lance totalmente inusitado, mas já suficiente para colocar os peruanos na repescagem. Nem foi a melhor atuação do camisa 9, compatriotas depositavam suas fichas.
Ao contrário de outros tempos, o Peru não possui um jogador para ocupar a lacuna de Guerrero. Claudio Pizarro, que ainda viveu boa fase até 2016, não tem muitas condições de ser chamado nem em caráter emergencial, considerando que ele estava sem clube e só recentemente assinou com o Colônia. Entre os atuais convocados, as principais opções para atuar como homem de referência são Raul Ruidiaz e Jefferson Farfán. Mas não são jogadores com as características do capitão no comando de ataque. E elas seriam necessárias, especialmente diante de um time bastante físico como a Nova Zelândia, em que as jogadas de pivô valeriam para encontrar espaços. Isso sem contar a capacidade do artilheiro resolver em um lance, especialmente nas bolas paradas.
Em nota oficial, a Federação Peruana de Futebol se posicionou sobre o ocorrido: “A FPF acata e respeita essa decisão da Fifa e confia em que breve se esclareçam os fatos e se resolva definitivamente esse processo. Paolo, capitão e líder da nossa seleção, cumpre um rol muito importante para nossa seleção dentro e fora do campo graças à qualidade da pessoa que sempre evidenciou. Valorizamos sua imensa contribuição para a nossa seleção pelo que a FPF e o Peru inteiros se solidarizam com ele nesses momentos difíceis”.
Obviamente, ainda há dois jogos a se disputar. Mesmo sem Guerrero, o Peru continua sendo um time bem treinado por Ricardo Gareca, com outros jogadores talentosos e potencial especialmente nas transições em velocidade. Precisará se virar com um novo plano de jogo que não inclua o seu principal jogador, mas ainda conta com um elenco mais completo e mais tarimbado que a Nova Zelândia. Mas também precisa ter consciência da qualidade dos rivais, sobretudo por aquilo que apresentaram na Copa das Confederações, dando trabalho a seleções tradicionais. Se os duelos já se prometiam difíceis, os cuidados naturalmente aumentam.
E, no meio de todo o turbilhão, prepondera o drama pessoal de Guerrero. Consciente ou não de seu erro no ato do consumo da substância, a cabeça do centroavante certamente está cheia de pensamentos. Já existe um preço sendo cobrado. Ele desfalca o Flamengo em um mês decisivo do clube, no qual é bastante cobrado. Mas principalmente vê escapar de seu controle a chance de experimentar o maior momento de sua carreira: protagonizar a seleção peruana rumo à Copa do Mundo. Era um objetivo claro do atacante, e muitas vezes perceptível por seu esforço dentro de campo. Precisará se contentar em torcer pelos companheiros e lutar por sua inocência para que, caso a classificação à Rússia se cumpra, ele não corra o risco de ver sua carreira praticamente encerrada com uma punição mais longa, perdendo o Mundial. É a história de um jogador importante para o seu país que sofre um grande impacto.
Atualizado às 23h10
Conforme apuração feita por Amanda Kestelman e Eric Faria, no Globo Esporte, a substância encontrada na urina de Guerrero é a benzoilecgonina, principal metabólito da cocaína. Ela pode ser flagrada por uso da droga, mas também por consumo de chás feitos a partir da folha de coca. O goleiro Zetti, nas Eliminatórias da Copa de 1994, chegou a testar positivo pela mesma substância e foi absolvido, após alegar o consumo de um chá na Bolívia. O chá de coca costuma ser usado na medicina popular para se combater os sintomas de gripes e resfriados.
Reproducão: Trivela | Uol
tenho pena do peru