Camilo Coelho: “Eu fui embora do Maracanã feliz ontem!”

Fim de jogo ontem no Maracanã. O Flamengo tinha acabado de perder para o Independiente o título da Copa Sul-Americana. Eu estava muito triste com o resultado e bastante preocupado, já que estavam sob nossa responsabilidade 65 crianças, meninos e meninas que moram no Jardim Gramacho. Fora do estádio a confusão era generalizada, com brigas, muitas bombas e gás de pimenta. Por segurança, decidimos ficar com as crianças dentro do estádio por mais tempo. Enquanto a gente esperava as coisas melhorarem lá fora, o Jorginho (nome fictício) se aproximou, me deu um abraço apertado e agradeceu: “Tio, muito obrigado por tudo o que você me proporcionou hoje. Eu nunca vou esquecer”. Ali o tempo parou para mim. Esqueci todas as dificuldades e o que estava acontecendo lá fora. Fiquei feliz.

O Jorginho tem 14 anos e nunca tinha ido ao estádio. Ele não tem pai. A mãe é soropositivo. O menino, que tem um grave problema no coração, está começando a usar drogas, se aproximou do tráfico local e já está fazendo alguns favores em troca de maconha. Ele abandonou a escola, não sabe ler e nem escrever. Mas ontem, durante cerca de duas horas, tudo isso ficou de lado. O Flamengo proporcionou para ele um dos dias mais felizes da vida do menino. Mesmo perdendo. Para o Jorginho, o resultado não importava tanto. Ele já tinha vencido.

As crianças participam do projeto IDE Jardim Gramacho e foram convidadas pela Renata Magalhães, que trabalha no marketing do Flamengo. Ela é uma das responsáveis pelo projeto #FestaNaFavela, que neste ano levou mais de 1.500 crianças de diversas comunidades para o estádio nos jogos do Flamengo. E dessa vez foi ainda mais legal. Os 65 meninos e meninas escolhidos para a grande final participaram do protocolo pré jogo da Confederação Sul-Americana de Futebol (Conmebol). Elas estavam uniformizadas com as cores de todos os times que disputaram a competição e fizeram um corredor na beira do gramado durante a entrada dos jogadores.

Jorginho ganhou uma função especial. Quando escolhi, disse que estava dando para ele, em meio à uma confusão digna de crianças muito bagunceiras, a principal função. Perguntei se poderia confiar nele. Ele sorriu, ficou todo orgulhoso e aceitou o desafio. Detalhe: nessa hora eu ainda não sabia a história dele. Mas que bom ter escolhido o Jorginho.

Assim que ele pisou no gramado, foi hipnotizado pela festa da torcida nas arquibancadas. Esqueceu até o protocolo. E chorou. Posso imaginar o tanto de coisa que passou na cabeça dele. Me segurei, falei para ele focar e fazer o que deveria ser feito. E ele fez tudo certinho. Deixou o campo eufórico.

Foi muito cansativo emocionalmente, em determinado momento achei que não daria certo, o ônibus atrasou, as crianças não fizeram o ensaio, mas conseguimos. Quando a gente estava saindo do estádio com eles, já estava silêncio, um clima de tristeza. Até que as crianças começaram a gritar “Flamengo” e cantaram algumas músicas que tinham acabado de aprender. Claro que elas também queriam a vitória, mas a estreia no Maracanã, numa final, dentro do campo, era a grande vitória delas. As crianças ficaram felizes. Nós também.

Só consegui descansar depois de receber uma mensagem dizendo que todas as crianças estavam em casa. Enquanto esperava vi nos sites a dimensão da confusão. Fiquei triste de estar feliz. Com tanta coisa acontecendo, tanta tristeza, resolvi escrever esse texto para contar para a Nação Rubro Negra que o Jorginho ficou muito feliz. Na verdade, foi o dia mais feliz da vida dele. Obrigado Flamengo. Obrigado torcida do Flamengo. Obrigado Renata. Obrigado Daniel Orlean. Obrigado Anderson. E obrigado Jorginho.

Veja o momento que as crianças receberam a notícia que iam ao jogo:

Reprodução: Camilo Coelho