É muito dura a vida do comentarista amador de futebol. Mais dura ainda se a área de atuação do comentarista amador for o eletrizante Campeonato Carioca. Um universo paralelo que se descortina para além da porta de um armário na FERJ onde tudo é muito fluído e possui lógica própria. Regras, normas e padrões mudam de acordo com o vento, convenções e protocolos acompanham as marés. Neste cenário movediço o comentarista amador precisa perceber depressa que nada é exatamente o que aparenta ou deveria ser. Tem que ficar muito esperto.
Já começa pelo regulamento dadaísta da competição, uma crítica ao capitalismo e ao consumismo, concebido para abolir de vez a lógica, a organização, a postura racional, trazendo para o futebol um caráter de espontaneidade total. O regulamento do Carioca é tão malucão que se tivesse um anão e um jumento dava até pra confundir com as célebres festinhas estritamente familiares que o Impera fazia com o seu bonde e azamiga no Vip’s. A comparação pode até ser engraçada, mas é injusta. Porque as festas do Adriano pelo menos tinham público, no Carioca, não. O silêncio das arquibancadas retumbantemente vazias em todas as partidas da competição é ensurdecedor.
O comentarista amador, que não tem credencial de imprensa e nem bilhete único, precisa fazer um esforço hercúleo para estar presente aos jogos. E se for pouquinha coisa sagaz logo desiste do heroísmo. Porque vai logo perceber que o business plando Campeonato Carioca Dadaísta é semelhante ao das pizzarias delivery, onde o produto é marketado para ser consumido na casa do consumidor. Na pizzaria não tem mesa, nem prato, nem copo e nem talher. Se você insistir em comer a pizza no local onde ela é feita vai acabar se incomodando com a precariedade do atendimento. O Carioca se tornou um campeonato para sofá e poltrona.
Mas o comentarista amador sabe que o campeonato estadual não acontece numa bolha. Ele acontece no estado do Rio. A nova terra de ninguém que se transformou em um laboratório de experiências malignas de Pinks e Cérebros, onde a população é constrangida a participar como cobaia. Como é que faz pra acreditar numa intervenção no Rio que não remove a cúpula da FERJ? Estranho mesmo seria se o campeonato de tal estado fosse bem organizado, justo e honesto.
Felizmente o Flamengo encerrou sua participação na fase mais café-com-leite do Carioca com uma convincente vitória de 4×0 sobre a Portuguesa no Mondrianão de Cariacica. Convincente talvez seja uma forma moderada de exagero. Mas teve Diego Alves fazendo defesaças, pegando pênalti e dando um show de timing: começou a pegar muito e a confirmar sua fama assim que a ameaça de ser convocado pelo Tite passou. Teve Vinicius Junior jogando desde o começo e sendo menos incisivo do que na chapa quente dos 20 minutos finais que parecem ser seu habitat natural. Teve Lincoln também, nervoso como qualquer um de nós ficaria. E teve gol de todos os proscritos, Dourado, Everton Ribeiro e Geuvânio. Só faltou o do Rômulo, mas pra isso ele precisaria ter jogado. Também não vamos exagerar.
Quando o comentarista amador é surpreendido por essas ondas Reanimator fica amarradão, mas ao mesmo tempo desolado por ter que buscar outro cristo no estoque. Mas não deixou de vibrar com a cobrança maligna do Dourado, com o gol legalzinho do Everton e com os dois gols do Geuvânio. O Geuvânio me lembrou os tempos de escola, quando eu ficava o bimestre inteiro de sacanagem no fundão e perto das provas me mudava pra primeira fila, respondia às perguntas, fazia dever de casa, apagava o quadro, levava maçã pra professora.
A esperança de que Dourado mostre a mesma eficácia com a bola rolando do que a exibe com a bola parada e que Everton Ribeiro e Geuvânio se curem pra sempre da catalepsia provocada pelo peso do Manto Sagrado é a ultima que morre. Tudo indica que o Campeonato Carioca morre antes. Uma morte que vai ter tudo a ver, como dizia Tristan Tzara, poeta e ideólogo do movimento Dada: A obra de arte não deve ser a beleza em si mesma, porque a beleza está morta. É dura a vida do comentarista amador de futebol.
Mengão Sempre
Reprodução: Arthur Muhlenberg | Blog República Paz e Amor
Na verdade não existe mais espaço para esses campeonatos regionais decadentes e falidos.Flamengo maior torcida do Brasil jogando para 2.000 pessoas? Na Euro não existem, porque deveriam existir aqui? Lá na Europa os clubes jogam no máximo 60 partidas por ano, enquanto aqui o Flamengo ano passado jogou 64.Acabem os campeonatos regioansi e pronto. não precisa colocar nenhum outro torneio no lugar, é só jogar o Brasileirão somente nos finais de semana,
84 ( OITENTA E QUATRO) partidas.
Arthur é meio maluco, mas escreve de mais!
“Como é que faz pra acreditar numa intervenção no Rio que não remove a cúpula da FERJ? “
Este cara mais o São Paulino (esqueci o nome) tem os melhores textos sobre o flamengo.
Rica Perrone
Arthur como sempre o melhor texto !!