Em dezembro de 1915, a Liga Paraense de Football enviou ofício à Liga Metropolitana de Sports Athléticos, entidade que dirigia o futebol do Rio de Janeiro, solicitando a presença de uma seleção para participar nos festejos do tricentenário de Belém. Mas a LMSA demorou a tomar uma decisão. Diante disso, a LPF resolveu chamar o Flamengo, bicampeão carioca.
O Rubro-Negro recebeu o telegrama no dia 11 daquele mês. Aceitou o convite, formou um grupo com atletas de alto nível, e embarcou no “Rio de Janeiro”, da Companhia de Navegação Lloyd Brasileiro, na manhã de 13 daquele mês, em viagem prevista para nove dias. Integravam a delegação, chefiada por Píndaro de Carvalho Rodrigues, capitão do Flamengo, os principais jogadores rubro-negros, e reforços cedidos por outros dois clubes, Harry Welfart e William Cuthbert, do Fluminense, e Guilherme Gayer e Hydarnés Vidal, do Botafogo.
Viajou também o jovem “player” Fausto Ferraz Filho, cujo pai, Fausto Ferraz, era um influente deputado federal do Partido Republicano Mineiro (PRP), líder do processo de revisão constitucional, cujo objetivo era a reforma eleitoral, levada adiante no Governo Venceslau Brás (1914-1918). O representante da imprensa era outro jogador, Paulo Buarque de Macedo, cuja missão era enviar informações ao “A Tribuna”, um jornal insignificante do Rio, que desapareceu pouco depois.
Foi a primeira viagem de uma representação carioca de futebol à Região Norte do Brasil. A chegada a Belém foi uma apoteose. Cerca de duas mil pessoas aguardavam a “embaixada” no porto. A recepção foi liderada pelo governador do Pará, Enéas Martins, e pelo prefeito da capital, Antônio Martins Pinheiro. Também estiveram presentes o presidente do Comitê das Festas do Tricentenário, Deodoro de Mendonça, deputados, vereadores, representantes da Associção de Imprensa, o presidente da LPF, Abel Chermont, e dirigentes de 11 clubes do Estado – Aliança, Brasil Sport, Guarany, Panther Club, Pará Foot-Ball, Paysandu, Remo, São Braz, São Paulo, Tuna Luso e União Sportiva – e o pessoal da Federação das Sociedades de Remo do Pará.
O cortejo, com cerca de 50 automóveis, atravessou a cidade, saudado pela população, até a Baía de Guajará, onde observou o processo de extração da borracha, principal riqueza local. Aliás, os compromissos dos cariocas em Belém foram intensos. Durante os dias, visitas às principais atrações turísticas da cidade: Arsenal de Marinha, Cinema Olympia, Museu Émile Goeldi, Palácio do Governo, Rio Amazonas e Theatro da Paz. Nas noites, mais atividades distintas, como um “tea-tango” no Pará Tênis Club, um baile de gala no badalado Sport Club do Pará, e um jantar oferecido pela LPF no Grande Hotel, na Praça da República, no qual a delegação ficou hospedada.
Os jogos foram realizados em dois estádios: o da Empresa Ferreira e Commandita, atual Leônidas de Castro, ou Curuzu. A primeira partida aconteceu em 27 de dezembro. O Flamengo goleou a seleção do Pará por 5 a 1. E o último, em 9 de janeiro, contra a mesma equipe, e acabou em 0 a 0, com apenas 20 minutos, pois uma chuva torrencial impediu a sua continuidade, dado que o gramado ficou completamente alagado. Assim, a Taça Tricentenário de Belém não teve um vencedor, e permaneceu na capital.
No dia 10, a delegação rubro-negra embarcou no “Brasil”, também do Lloyd, com destino ao Rio de Janeiro, aonde chegou sexta-feira, 21. Na realidade, é importante ressaltar que os jornais cariocas ficaram sem muitas informações, por duas razões básicas: o desinteresse de Buarque de Macedo em enviar notícias, e as restrições impostas pela deficiência do maquinário da imprensa do Pará. Mas as poucas informações que chegaram foram suficientes para que o povo soubesse do sucesso alcançado pelo Flamengo.
Logo, mais de duas mil pessoas foram receber a delegação no Cais Pharoux, na Praça Mauá. Seguiu-se uma recepção fabulosa no Palácio do Catete, com a presença de autoridades diversas, entre elas o então prefeito do Rio, Rivadávia da Cunha Correia. À noite, o presidente do clube, Raul Serpa, promoveu uma grande recepção no Hotel Balneário, em São Francisco, Niterói. Em tempos de futebol amador, o Flamengo só voltou a jogar no dia 7 de maio, goleando o Andarahy, na abertura do Campeonato Carioca.
OS JOGOS
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1º jogo
FLAMENGO 5 x 1 LIGA PARAENSE DE FOOTBALL
Data: Segunda-feira, 27 de dezembro de1915.
Competição: Amistoso Interestadual / Taça Pará-Rio.
Local: Campo da Empresa Ferreira & Commandita, em Belém / PA.
Arbitragem: José da Gama Malcher / Liga Paraense de Football.
Gols: Galo 4’, Welfare 13’, 16’ e 61’, Chermont 27’ e Juvenal 75’.
FLAMENGO: Baena, Píndaro e Nery; Antonico, Galo e Cuthbert; Curiol, Juvenal, Welfare, Baptista e Paulo Buarque. Técnico: Ground Committee – liderado por Emmanuel Augusto Nery.
LIGA PARAENSE DE FOOTBALL: Joãozinho, Lula e Duca; Armindo, Carlito e Bordallo; Suíço, Guimarães, Chermont, Moraesinho e Rubilar. Técnico: Armindo Motta / capitão.
(*) A Taça Pará-Rio foi oferecida pelo Jornal Folha de Norte, de Belém, de propriedade do então governador do Estado, o advogado Enéas Martins.
2º jogo
FLAMENGO 1 x 1 LIGA PARAENSE DE FOOTBALL
Data: Sábado, 1º de janeiro de 1916.
Competição: Amistoso Interestadual / Taça Tricentenário de Belém / 1º jogo.
Local: Campo da Avenida Tito Franco, em Belém / PA.
Arbitragem: Galdino de Araújo / Liga Paraense de Football.
Gols: Welfare 65’ e Chermont 77’.
FLAMENGO: Baena (Juvenal – intervalo), Píndaro e Nery; Antonico, Galo e Cuthbert; Curiol, Juvenal, Welfare, Baptista e Paulo Buarque. Técnico: Ground Committee – liderado por Emmanuel Augusto Nery.
LIGA PARAENSE DE FOOTBALL: Joãozinho, Lulu e Duca; Armindo, Infante e Bordallo; Suíço, Guimarães, Chermont, Moraesinho e Rubilar. Técnico: Armindo Motta / capitão.
(*) O goleiro Baena sofreu contusão no fim do primeiro tempo e foi substituído pelo atacante Juvenal no intervalo. O Flamengo disputou a segunda etapa com 10 jogadores.
(**) Foi a primeira partida valendo a posse da Taça Tricentenário de Belém, oferecida pelo Comitê das Festas Comemorativas dos 300 Anos da Capital do Pará.
3º jogo
FLAMENGO 4 x 0 PAYSANDU SPORT CLUB / PA
Data: Segunda-feira, 3 de janeiro de 1916.
Competição: Amistoso Interestadual / Troféu Paysandu Sport Club.
Local: Campo da Empresa Ferreira & Commandita, em Belém / PA.
Arbitragem: Abel Barros / Liga Paraense de Football.
Gols: Paulo Buarque 10’, Welfare 16’ (pênalti – Tres / mão na bola) e 22’ e Galo 37’.
FLAMENGO: Baena, Píndaro e Nery; Antonico, Galo e Cuthbert; Curiol, Juvenal, Welfare, Baptista e Paulo Buarque. Técnico: Ground Committee – liderado por Emmanuel Augusto Nery.
PAYSANDU: Joãozinho, Sylvio e Tres; Barreto, Flávio Dias e Suíço; Cícero, Guimarães, Moura Palha, Orlando Patativa e Moraesinho. Técnico: Antônio Barros Filho – Suíço / capitão.
(*) A chuva torrencial que caiu com meia hora alagou o campo e prejudicou o jogo.
(**) O atacante Moura Palha sofreu contusão aos 15 minutos e o Paysandu disputou os demais 65 da partida com 10 jogadores.
(***) O Trofeú Paysandu Sport Club, oferecido pelo clube, era uma bela escultura de marfim.
4º jogo
FLAMENGO 3 x 2 CLUBE DO REMO / PA
Data: Quinta-feira, 6 de janeiro de 1916.
Competição: Amistoso Interestadual / Taça Clube do Remo.
Local: Campo da Avenida Tito Franco, em Belém / PA.
Arbitragem: José da Gama Malcher / Liga Paraense de Football.
Gols: Macedo 8’, Nery 36’ (pênalti – falta de Lulu em Juvenal), Baptista 47’, Ferraz 60’ e Silva 79’.
FLAMENGO: Hydarnés, Píndaro e Nery; Cuthbert, Curiol e Galo; Gayerl, Ferraz, Juvenal, Baptista e Paulo Buarque. Técnico: Ground Committee – liderado por Emmanuel Augusto Nery.
CLUBE DO REMO: Archimedes, Lulu e Duca; Armindo, Infante e Bordallo; Ludgard, Macedo, Dudu, Chermont e Rubilar. Técnico: Rodolpho Chermont / capitão.
(*) Hydarnés defendeu pênalti (falta de Píndaro em Chermont) cobrado por Chermont aos 27 minutos.
5º jogo
FLAMENGO 2 x 0 LIGA PARAENSE DE FOOTBALL
Data: Sábado, 8 de janeiro de 1916.
Competição: Amistoso Interestadual / Taça Bancada Paraense no Congresso Nacional.
Local: Campo da Empresa Ferreira & Commandita, em Belém / PA.
Arbitragem: Galdino de Araújo / Liga Paraense de Football.
Gols: Baptista e Antonico.
FLAMENGO: Baena, Píndaro e Nery; Antonico, Galo e Cuthbert; Curiol, Juvenal, Welfare, Baptista e Paulo Buarque. Técnico: Ground Committee – liderado por Emmanuel Augusto Nery.
LIGA PARAENSE DE FOOTBALL: Chermont, Lulu e Sylvio; Bordallo, Armindo e Flávio Dias; Suíço, Guimarães, Oliveira, Moraesinho e Rubilar. Técnico: Rodolpho Chermont / capitão.
(*) Taça Bancada Paraense no Congresso Nacional oferecida pelos deputados federais do Pará.
(**) O jogo foi disputado em dois tempos de 35 minutos, sem intervalo, porque começou com uma hora de atraso e a luz se tornou insuficiente para que chegasse normalmente ao fim.
6º jogo
FLAMENGO 0 x 0 LIGA PARAENSE DE FOOTBALL
Data: Domingo, 9 de janeiro de 1916.
Competição: Amistoso Interestadual / Taça Tricentenário de Belém / 2º jogo.
Local: Campo da Empresa Ferreira & Commandita, em Belém / PA.
Arbitragem: Galdino de Araújo / Liga Paraense de Football.
FLAMENGO: Hydarnés, Píndaro e Nery; Antonico, Galo e Cuthbert; Curiol, Juvenal, Welfare, Baptista e Paulo Buarque. Técnico: Ground Committee – liderado por Emmanuel Augusto Nery.
LIGA PARAENSE DE FOOTBALL: Joãozinho, Lulu e Duca; Bordallo, Armindo e Infante; Suíço, Guimarães, Chermont, Moraesinho e Rubilar. Técnico: Armindo Motta / capitão.
(*) A Taça Tricentenário de Belém permaneceu na capital do Pará porque o jogo foi interrompido por uma chuva torrencial, aos 20 minutos, e não foi possível concluí-lo.
Reprodução: Roberto Assaf | Rua Paysandu