João, Israel, Rodrigo e Inéia seguem o líder de uma forma diferente. Parece até aqueles torcedores “das antigas“, sempre com o radinho de pilha na escuta.
As ondas sonoras, na verdade, são o que fazem os quatro deficientes visuais entenderem tudo que acontece dentro de campo com o Flamengo, seja pelo pequeno alto-falante ou pelos gritos da torcida. Sentimento que fez com que encarassem longa estrada – e essa é a menor das barreiras – por uma experiência inédita.
Neste domingo, na vitória por 4 a 1 sobre o Sport, eles estiveram entre os 58.817 presentes no Maracanã. Estreia pé-quente! A expressão ao subirem a rampa que dá acesso à arquibancada pode ser comparada à de uma criança prestes a encontrar um brinquedo tão sonhado e, por muito tempo, tão distante.
O grupo saiu de Campos dos Goytacazes (município a aproximadamente 300 km da capital) às seis da manhã, conheceu a sede da Gávea e partiu para o estádio. Juntos, outros 12 deficientes intelectuais da APOE (Associação de Proteção e Orientação aos Excepcionais) compartilharam emoções da maneira peculiar que lhes cabia. A iniciativa partiu da Embaixada Fla-Campos, em parceria com a diretoria rubro-negra.
E não houve limitação que os impedisse de participar da festa. A alegria e emoção estampadas naqueles 16 rostos já fazem todo o esforço valer a pena. Ir ao estádio de futebol e torcer para o clube do coração já é algo fantástico para um torcedor sem deficiência e com o hábito cultivado há anos. Para eles, é diferente. Não só pelo ineditismo. Não só pela forma especial de sentir cada momento.
— Foi muita emoção. Desde a chegada, na descida do ônibus… Você sente o calor, a vibração, uma coisa fantástica, Totalmente diferente. Uma sensação maior, melhor – disse João José, de 60 anos.
Mas como um deficiente visual faz para acompanhar o máximo de detalhes possível de um jogo de futebol? É aí que entra o bom e velho radinho de pilha.
O objeto funciona como uma ferramenta, parecida com o recurso de audiodescrição oferecido por TVs com sinal digital. Fora de campo, as reações da torcida dão um tempero a mais.
— Botei um fonezinho e acompanhei pelo rádio, para saber com quem estava a bola, acompanhar as faltas, os cartões, substituições… E ainda acompanho a reação da torcida. Esse trabalho que a gente tem de audiodescrição, que é um serviço novo para as pessoas com deficiência visual, se assemelha muito com a narração no rádio. É como um serviço de audiodescrição à moda antiga – disse Israel, de 40 anos.
Dormiu vascaíno, acordou rubro-negro
Teve até gente virando a casaca! Antes de ir para o Maracanã pela primeira vez, Jean, de 21 anos, era torcedor do Vasco. Certamente acordou a segunda-feira já como um rubro-negro desde criancinha – e líder, como gostam de frisar. Na estreia no Maracanã, ele vestiu a camisa, cantou, comemorou…
— Eu era Vasco. Houve um encontro na instituição e falaram que eu ia para o Maracanã. Só que me falaram que eu ia ser linchado aqui se eu fosse vascaíno. Então peguei uma camisa do Flamengo, vesti e agora sou flamenguista! – revelou o jovem, que tem deficiência intelectual.
A bagagem de volta para Campos é pesada. Além da goleada dentro de campo que manteve a primeira colocação do Brasileirão, toneladas de emoções absorvidas pelos mais diversos sentidos. O dia pode até ter sido cansativo, mas pergunta se eles não fariam de novo mais um milhão de vezes… Tudo vale a pena para seguir o líder. Seja como for.
Reprodução: Globoesporte.com
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