RMP: “Um anjo da guarda para o Fla”

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Gosto de assistir aos jogos de futebol sozinho. Facilita a concentração e, consequentemente, a observação das nuances táticas das equipes e do desempenho individual dos jogadores. O duelo de ontem, entre Grêmio e Flamengo, entretanto, vi acompanhado. De um velho e querido amigo e companheiro que não encontrava pessoalmente há algum tempo.

– E aí, Renatão? Esse time vai ou não vai? Desconfiei muito desse estagiário, quando assumiu, mas estou quase dando a mão à palmatória. Mas sempre com um pé atrás, claro…

Sorriso aberto, ironia mordaz na ponta da língua e paixão rubro-negra escancarada no peito, Pablito apareceu, me fazendo sorrir. E antes de a bola rolar, quase me matou de inveja, falando da netinha Nina, primeiro rebento de Letícia, sua filha.

– Você não sabe que delícia é ser avô, amigo. Não faz ideia. Melhor que torcer pelo Flamengo! Você precisa pedir urgência à Luiza e ao Michael, seus filhos. Os netinhos de quatro patas são umas gracinhas, mas não é a mesma coisa – brincou, referindo-se aos meus cachorros.

Concordei e aproveitei, claro, para “corujar” várias das fotos da linda menina, que Pablito fez questão de mostrar orgulhosamente no celular e no Facebook. Estávamos entretidos nisso, quando começou o jogo.

Dez minutos de contenda e o Fla lá atrás.

– Renatão, qual é a desse time, hein? Os caras entraram com os reservas e ficamos lá atrás, tocando bola? Olha a lambança que o Juan ia aprontando! Ai, ai, ai, estagiário. Não se pode elogiar.

Estilo típico do Pablito. Do bom-humor à fúria, quando o Flamengo não conseguia produzir o que se esperava.

– Pô, amassamos os titulares na quarta-feira e vamos pipocar agora pra esse timeco meia-boca? Estão de salto alto? Achando que ganham quando bem entenderem? Vão quebrar a cara…

Confirmando a profecia, logo depois, bola na mão de Rodinei e pênalti!

– @*!&@* Mas não foi pênalti nem aqui, nem na China! Cadê o VAR? O cara estava com a mão grudada no corpo – resmungou, desesperado.

Ainda soltava palavrões quando Jael bateu e Diego Alves defendeu.

– @*#%@#* Jael, o cruel! Kkkkkkkkkkkk. Esse é rubro-negro! – passou a gozar, satisfeito.

O Grêmio desperdiçou a penalidade, mas o Flamengo seguia sem ameaçar o gol gaúcho. Paquetá e Everton Ribeiro fracassavam em armar as jogadas de ataque e a bola mal chegava aos pés de Vitinho e Uribe:

– Por que não está jogando o menino, Lincoln? Explica aí você, que é do ramo! É por isso que ainda tenho um pé atrás com o estagiário – questionou, irritado, em seu jeitão típico de torcedor passional.

Bola cruzada na área do Flamengo e o mesmo Jael, que perdera o pênalti, meteu a cabeça e marcou, levando de vez à loucura meu amigo Pablito:

– Não é possível! Inacreditável! Você viu a besteira que fez o Jean Lucas, colocando a mão na bola no meio-campo? Daquela falta tola nasceu o contra-ataque e o gol. Querem acabar com minha alegria, no último jogo?

Não entendi porque o último jogo, mas veio o intervalo e, como nos velhos tempos, resolvemos tomar um uísque e relembrar a época boa em que trabalhamos juntos no Globo e no Extra, que ele ajudou a tornar um sucesso instantâneo e gigantesco, com uma campanha de marketing criativa, genial, inesquecível. Demos boas risadas, revivendo histórias e personagens de então e nos entristecemos, constatando que vários daqueles companheiros já tinham morrido.

– É o círculo da vida, Renatão. O círculo da vida… – filosofou, me dando carinhoso tapinha nas costas, com ar enigmático no rosto.

O intervalo acabou, a partida recomeçou e o Pablito torcedor reapareceu, sofrendo, xingando e se revoltando. Dois minutos e dois a zero Grêmio:

– Poupa a zaga titular, poupa, estagiário trouxa! Olha só! Juan não marca mais ninguém! Ridícula atuação. Acabou. Já era! Vamos perder a liderança, amanhã – vaticinou, possesso.

Torceu, furibundo, até o apito final, quando a ira cedeu e, com o velho sorriso no rosto, me deu um forte abraço e se despediu, dizendo:

– Amigão, vou cuidar do Mengo lá de cima. Dele, da família e acima de tudo, claro, da Nina! – concluiu, com um piscar de olho maroto.

Só então, caiu a ficha. Meu querido amigo Pablito, o Paulo Éboli, brilhante profissional do mercado publicitário, escritor que me deu a honra de escrever o prefácio de seu livro, meu velho parceiro no jornal e nas quadras de tênis, falecera na sexta-feira à noite, o que me fez passar o jogo todo pensando nele e como teria sido ótimo se pudéssemos, realmente, ter assistido juntos ao duelo de ontem, na Arena do Grêmio. Apesar da derrota absurda, irritante e inaceitável, revê-lo, uma última vez, teria sido melhor que qualquer vitória. Descanse em paz, meu amigo.

Reprodução: Blog RMP

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