Arthur Muhlenberg: “Agora é cinza”

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Você partiu,
Saudades me deixou,
Eu chorei,
O nosso amor, foi uma chama,
O sopro do passado desfaz,
Agora é cinza,
Tudo acabado e nada mais!

Bide & Marçal

O Domingo 2 de setembro jamais será esquecido. Pena que a fuga do oblívio se dará pelos motivos errados. Poderia ser uma data festiva porque foi o dia de nascimento de Billy Preston, Giulliano Gemma, Salma Hayek e Carlos “El Pibe” Valderrama. Ou de lamento pela morte de Ho Chi Minh, do Barão de Coubertin ou do senhor de todos os anéis J.R.R. Tolkien. Mas o que vai nos fazer jamais esquecer esse 2 de setembro será a lembrança tremendamente desagradável do incêndio criminoso que vitimou o Museu Nacional na Quinta da Boa Vista, que foi apenas a segunda tragédia do domingo macabro.

A primeira tragédia foi a derrota feia, besta e idiota do Flamengo para o Ceará. Uma derrota desavergonhada, explícita, à luz do dia (jogos às 11 horas são um enorme erro), em pleno Maracanã lotado de crianças impúberes. Vou poupá-los de comentários sobre o jogo em si, além de desnecessários, seriam de muito mau gosto, porque vagabundo jogou nada e perderam merecido. O Flamengo jogar mal não chega a ser uma tragédia, aliás, depois que voltou do break da Copa, jogar mal tornou-se um hábito compartilhado por jovens e veteranos no Flamengo. A tragédia reside no fato de que a derrota pública para um dos poucos times já garantidos na Série B 2019 transformou em cinzas qualquer esperança de heptacomemorações em 2018.

O Museu Nacional ardeu e carbonizou 200 anos de pesquisa, violência colonialista e apropriação cultural. Perderam-se para todo o sempre múmias, esqueletos, coprólitos e bicabraques imperiais. O acervo perdido é insubstituível, mas a história do mundo nos conta que o fogo nem sempre é o fim. A Biblioteca de Alexandria também pegou fogo e mesmo sem os seus alegados 5 milhões de papiros a cultura helenistica encontrou uma maneira de influenciar o mundo ocidental (graças aos conquistadores muçulmanos e aos judeus letrados).

Londres, Roma, Chicago e San Francisco também foram consumidas pelas chamas e tão aí vivíssimas, cidades globais, inclusive com filiais do CSI e do Starbucks. O Reichstag (parlamento em Berlim) também ardeu em 1933 e nem por isso a República de Weimar deixou de votar. É verdade que os alemão logo na primeira oportunidade que tiveram elegeram um ex-militar austríaco, preconceituoso e orgulhoso de sua obtusidade, mas a democracia germânica sobreviveu a esse mito. Quer dizer, em relação ao Museu Nacional podemos e devemos chorar o incalculável prejuízo, mas nem tudo está perdido. As cinzas do acervo queimado ainda podem servir para fertilizar o tipo certo de solo onde brotarão mais e melhores museus.

O que está irremediavelmente perdido, carbonizado, queimado e torrado é o ano de 2018 para o Flamengo. O torcedor rubro-negro, esse sábio que às vezes se disfarça de idiota para manter a palhaçada em níveis aceitáveis e pagar meia-entrada, já percebeu que esse ano foi pro ovo e que qualquer Copa do Brasil que nos caia do céu será insuficiente para mitigar a revolta provocada por mais um ano eleitoral jogado no lixo. Até agora o balanço é amplamente desfavorável para o Flamengo, em 18 só ganhamos mesmo a Tacinha Guanabarinha, que vale tanto quanto uma Taça Rio, ou seja, absolutamente porra nenhuma. Já colecionamos até o presente momento as desclassificações no Carioqueta, na Libertadores e agora, essa fraquejada-master no Brasileiro.

Fosse o Flamengo um clube pouca coisa mais sério e já teríamos tido uma sequência de golpes de estado, quarteladas e passeatas em protesto tumultuando o trânsito do Leblon à Lagoa-Barra. Por sorte é ano de eleição no clube e os 3 mil e poucos sócios que se animam a votar terão a chance de escolher, em nome de 40 milhões de viventes, alguém que, como pontificou o Príncipe de Falconeri, seja capaz de empreender no clube as grandes mudanças que farão com que tudo permaneça como está.

Para que essa letra não termine no baixo astral total de quem já não nutre qualquer esperança esportiva em 2018, aponto a coincidência de que o funesto 2 de setembro é também o dia de nascimento do icônico manager do Liverpool, Bill Shankly. Aquele que se imortalizou não pelas 15 temporadas à frente dos nossos fregueses de Anfield Road, mas pela definitiva explanação sobre o que realmente importa na vida das pessoas.

“Algumas pessoas acreditam que futebol é questão de vida ou morte. Fico muito decepcionado com essa atitude. Eu posso assegurar que futebol é muito, muito mais importante.”

Reprodução: Blog República Paz & Amor/ Arthur Muhlenberg

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  • Além da erudição que lhe é peculiar, aquela cutucada histórica para os mais perspicazes. Belo texto, Arthur.

  • Comparando Bolsonaro a Hitler.

    #BolsonaroPresidente
    #17

  • Time – bando na verdade – mais frouxo que eu já vi com a camisa do Flamengo. Não merecem ser campeões de nada.

  • Obrigado por tudo que foi feito na área administrativa, Bandeira. Mas tá na hora de dar uma chance ao Landim. Chega de não ter cobranças no futebol!

  • Top. Muito Top esse texto.Parabens!

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