Uma análise meramente simplista de projeção sobre o confronto entre Flamengo e Corinthians no Maracanã, pela Copa do Brasil, apontaria com tranquilidade um panorama óbvio. Um time de maior qualidade técnica, diante de seus torcedores, com farta posse de bola, girando o jogo diante de outro, com maiores limitações, em busca da sobrevivência no confronto para a segunda partida, atrás de um escudo extremamente defensivo. Um quadro previsível. Mesmo diante diante de todas as circunstâncias, o Flamengo entregou o que se esperava, em um viés nada positivo. Sem grandes alternativas, um amargo empate sem gols se concretizou contra um surpreendente Corinthians: um time além dos limites de defensivo. Teve postura covarde no Maracanã. E, ainda assim, esteve confortável.
Mauricio Barbieri desenvolveu trabalho interessante no Flamengo, com intensa movimentação entre seus jogadores do meio no 4-1-4-1. Conseguiu um encaixe pré-Copa do Mundo, ainda com Vinicius Junior. A ideia de jogo foi bem assimilada. Ocorre que nos percalços do calendário brasileiro e suas peculiaridades, a manutenção de tal estrutura de forma contínua é praticamente impossível. O Flamengo precisaria de jogos mais espaçados para manter a capacidade física sempre em ótimo nível a fim de executar os movimentos. A maratona de agosto levou a Libertadores para longe do clube, mas custou ainda mais caro: comprometeu drasticamente o nível de atuações na sequência da temporada. O Flamengo de Barbieri deveria se adaptar. Ter alternativas para superar distintos adversários. Por enquanto, não consegue. Tornou-se previsível aos rivais.
Não apenas graças ao rotineiro vazamento de escalações em treinos fechados no festival de fogo amigo que assola o Ninho do Urubu. Jair Ventura preparou suas ideias baseado em um Flamengo no 4-1-4-1, sem grande margem de erro. Não havia mesmo como se confundir. Com Paquetá e Cuellar ainda com o avião no corpo, o Flamengo entrou no Maracanã cheio envolto pela fumaça rubro-negra preparado para incorporar novamente o 4-1-4-1. Vitinho à esquerda, Everton Ribeiro à direita, Diego e Paquetá por dentro, com Cuellar às costas de todos. E, de início, tentou morder o rival, achar espaços, abafar o Corinthians com o calor do Maracanã. Teve o domínio absoluto. Mas a incoerência rubro-negra é essa: ter a bola em quase 70% do tempo e ser muito pouco efetivo para transformar tal número em gols. Pois já é previsível.
O girar do jogo rubro-negro poderia até surpreender e se impôr de tal maneira como ocorreu diante do Grêmio caso a movimentação fosse intensa, os passes trocados em alta velocidade, as tabelas em busca do fundo do campo tentando achar o centroavante e tantos outros na área. Mas a passada do Flamengo atualmente já é diferente de tempos atrás. É mais lenta. Tem a bola, gira o jogo e pouco cria. Uma postura que, por vezes, leva a uma enganosa leitura de desinteresse. Não é o caso. O Flamengo tentava, buscava uma saída, um espaço. Não achava. Pois era previsível. Vitinho e Everton Ribeiro têm como característica buscar o jogo pelo meio. O jogo rubro-negro mantinha um pêndulo em torno da área, sem ir ao fundo e isolando o centroavante, desta vez Uribe Como os dribles de Vitinho pouco entravam diante de Fagner e Gabriel, uma tentativa válida de derrubar a barreira corintiana, o time paulista se sentiu confortável. Apesar de covarde.
Haverá inúmeras justificativas para a postura corintiana no Maracanã. Mata-mata, desejo de decidir a vaga no segundo embate em seus domínios, chegada recente do técnico, momento de fragilidade. São todos argumentos que suportam uma postura defensiva, bem sólida. Nisso, o Corinthians sempre foi ótimo. O porém é ser, como gostam de dizer os gaúchos, acadelado. O Corinthians de Jair Ventura esteve assim no Maracanã. Um atual campeão brasileiro que abdicou totalmente do ataque. Um 4-1-4-1 que poderia ser descrito como um 4-5-1, um 4-6-0. São números telefônicos, afinal, como disse Guardiola. O fato é que Jair Ventura plantou uma trinca de ferro dos volantes pelo centro, com Ralf, Gabriel e Douglas, reforçados aos lados por Romero e Clayson. Jadson, o homem mais avançado da equipe, por inúmeras vezes esteve antes do meio de campo. O Corinthians se defendia muito bem. Mas era covarde demais. Tanto que sua melhor chance surgiu de erro tolo de Paquetá: um recuo recheado de irresponsabilidade que encontrou os pés de Clayson, consequentemente num chute cruzado no lado externo da rede. Muito pouco.
Pois mesmo diante do Flamengo previsível, dar tanto campo ao rival, ainda que bem marcado, pode comprometer a execução do plano de jogo. Com os resmungos da arquibancada, Barbieri tentou alternativas mínimas com o jogo em andamento. Alternou Paquetá e Diego pelo centro, talvez em busca de um passe mais profundo do camisa 11 para Vitinho na esquerda. Pela direita, Everton Ribeiro tentava trabalhar incansavelmente com dribles e enfiadas de bola. Com Rodinei muito presente no campo rival, o camisa 7 rubro-negro não cansou de enxergar espaços para os avanços do lateral. A incrível sequência de leituras equivocadas das jogadas por parte de Rodinei, no entanto, comprometeu melhores chances. A rigor, o Flamengo teve três oportunidades no primeiro tempo. A primeira com um chute perigoso de Vitinho no centro do campo, em giro rápido. A segunda em chute mascado de Paquetá na grande área, defendido com alguma dificuldade por Cássio. A terceira em cabeçada de Rever em escanteio cobrado por Diego, em mais uma boa defesa de Cássio. Muito pouco para quem tinha 70% de posse de bola. Caberia ao Flamengo mudar para impedir o conforto do Corinthians.
Aí outro problema. Diante dos resultados negativos recentes, Mauricio Barbieri parece ter dificuldades de apostar em uma mudança no intervalo. Opta pela insistência mesmo diante da resposta negativa em campo. O jogo estava encaixado com a marcação corintiana. A posse continuaria rubro-negra. Parecia um combinado involuntário rumo ao empate sem gols. Não foi surpresa, portanto, o panorama do segundo tempo continuar igual. Flamengo com a bola, girando o jogo como um pêndulo, sem ir ao fundo e com o centro muito bem protegido. Com apenas uma chance criada em 25 minutos, um chute de Diego de longe defendido por Cássio, Barbieri entendeu a necessidade da mudança. Após 70 minutos de jogo, Willian Arão e Henrique Dourado ocuparam as vagas de Lucas Paquetá, cansado com o desgaste, e Uribe. Houve tímida melhora: com a capacidade de infiltração, Arão se apresentava constantemente pela direita, permitindo a Everton Ribeiro tentar achar espaços pelo centro. Mas, sendo repetitivo, o Flamengo atual é diferente.
A mobilidade e a insistência em jogar pelo chão apresentadas diante do Grêmio no Sul se transformaram em lentidão e o gosto pela bola aérea, este um problema desde os tempos de Zé Ricardo. Para chegar ao gol, o Flamengo buscou o atalho do aleatório: bolas alçadas em sequência na área. Foram 49 cruzamentos, de acordo com o Footstats. Um indício claro de que sobrava disposição para buscar o gol, mas faltavam ideias. O Corinthians, de sua maneira, não abriu mão da sua ideia. Realizou três trocas para manter exatamente a mesma postura. Buscar o gol não era interessante. Defender-se, sim. Principalmente diante de um gramado tão vexaminoso como o areal que assola o Maracanã. Diante da quantidade enorme de bolas aéreas, a dupla Léo Santos e Henrique se mostrou impecável. O Flamengo continuou previsível, ao tocar a bola de um lado ao outro, sem um drible tirado da cartola como fez Berrío em 2017 diante de um time de Jair Ventura, Lincoln foi a última aposta, com posicionamento muito à esquerda, quase ocupando a vaga deixada por Vitinho com exatidão.
O empate sem gols encheu de amargor a arquibancada e aumentou o grau de preocupação rubro-negra para a sequência da temporada. Passa o recado a equipes mais limitadas de que um bom ferrolho é capaz de sobreviver à escassez de ideias da equipe de Mauricio Barbieri. Faltam maiores opções, alternativas para que o Flamengo volte a respirar na temporada. A destacar, mesmo, a incrível participação de Cuellar. Após 63 minutos disputados 26 horas antes nos Estados Unidos, o volante talvez tenha sido o melhor em campo. A capacidade de recuperação de bolas, a cobertura do meio, a entrega até ao fim fazem dele, a cada dia, o maior símbolo do que clama a arquibancada. Fora da Libertadores e sem se impôr em seus domínios na Copa do Brasil, o Flamengo segue na temporada com a pressão efervescente do caldeirão em ano político. Um preço a se pagar diante de tanta previsibilidade mesmo diante de tamanha covardia. O clássico das duas maiores torcidas do país merecia um confronto mais digno.
FICHA TÉCNICA
FLAMENGO 0X0 CORINTHIANS
Local: Maracanã
Data: 12 de agosto de 2018
Árbitro: Bráulio da Silva Machado (SC)
Público e renda: 48.822 pagantes / 53.303 presentes / R$ 2.395595,00
Cartão amarelo: Douglas (COR)
Gols: –
FLAMENGO: Diego Alves; Rodinei, Léo Duarte, Rever e Renê; Cuellar; Everton Ribeiro, Lucas Paquetá (Willian Arão, 27’/2T), Diego e Vitinho (Lincoln, 36’/2T); Uribe (Henrique Dourado, 27’/2T)
Técnico: Mauricio Barbieri
CORINTHIANS: Cássio, Fagner (Paulo Roberto, 31’/2T), Léo Santos, Henrique e Danilo Avelar; Ralf; Romero, Gabriel (Araos, 32’/2T), Douglas e Clayson (Mateus Vital, 28’/2T); Jadson
Técnico: Jair Ventura
Reprodução: Pedro Henrique Torre / Chute Cruzado