Com a confirmação oficial do acerto com Ney Franco e o necessário espaço de tempo para assimilar a demissão de Jayme de Almeida, já é possível embasar uma opinião sobre mais uma troca de treinadores no Flamengo. Ou apenas concluir que foi mais do mesmo nas decisões do clube.
Porque tudo que envolve o time de maior torcida no país passa por uma questão central: o confronto entre o Rubro-negro real e um “virtual” que habita o imaginário popular – torcida, dirigentes, jornalistas…
O conectado à realidade precisa ter o futebol gerido de forma responsável para administrar e equacionar uma dívida na casa dos 750 milhões de reais. Que tem um potencial limitado de investimento e, com enorme atraso, vai buscando fontes de receitas além dos adiantamentos de TV e de algumas bilheterias vantajosas. Mas ainda muito aquém da capacidade de fazer dinheiro de uma marca tão poderosa.
Já o outro é idealizado: gigante, capaz de atrair os melhores jogadores do país apenas com o seu simbolismo. Vencedor, que se impõe pela mística, por aquilo que não se explica e exige respeito do adversário. Um Flamengo de Zico, mesmo sem o Galinho e o melhor time da história do clube para fazer a diferença.
O inusitado é que estes dois não caminham em paralelo. Quase sempre se tocam. No melhor cenário, o time médio se agiganta e, confiante com o apoio da massa que, num arroubo quixotesco, enxerga um conjunto de craques, é capaz de conquistas improváveis. A Copa do Brasil do ano passado é emblemática. Mais simbólico ainda foi lutar para não cair no Brasileiro durante o mesmo período.
Mas também pode fazer os dirigentes gastarem o que não têm nos cofres para montar um time milionário. Não paga e empurra as dívidas trabalhistas e os impostos para seu sucessor. Por enquanto, não parece o caso da atual gestão. Administrações passadas talvez fizessem loucuras e onerassem o clube para manter Elias, por exemplo.
A demissão de Jayme, porém, passa por essa falta de percepção da real condição. O Flamengo no domingo foi derrotado por um Fluminense que já tinha demonstrado ser superior tecnicamente nos 3 a 0 do Estadual e agora foi melhor também na parte tática sob o comando de Cristóvão Borges.
Jayme sabia e sabe das limitações e tentava contornar e encontrar alternativas transmitindo confiança aos seus comandados. Certamente tinha consciência dos problemas, como a falta de volume de jogo por conta das carências no meio-campo e as deficiências crônicas do sistema defensivo. Mas se negava a abandonar o barco, como fez Mano Menezes.
Foi saído do clube em um telefonema. Mais uma decisão mal conduzida. Porque a diretoria pé no chão teve que lidar com o gigante que, de tão vigiado, não consegue esconder o que guarda em seus corredores.
Talvez tenha faltado estofo, quem sabe conteúdo, como ocorreu com Carlinhos e Andrade no passado. Mas Jayme tem uma vantagem sobre Ney Franco e boa parte dos treinadores do país: conhece as peculiaridades deste clube particularíssimo. O Flamengo não é para iniciantes.
Como Ney em 2006/2007. Que herdou de Waldemar Lemos o time campeão da Copa do Brasil. Depois entupiu o elenco de jogadores do Ipatinga, remontou a equipe que venceu o Estadual no ano seguinte e entregou ao experiente Joel Santana um Fla esfacelado, mas que recebia os reforços de Fábio Luciano e Ibson para iniciar uma recuperação histórica.
O ex-técnico do Vitória retorna mais maduro quase oito anos depois. Dirigiu clubes grandes e venceu com a seleção brasileira sub-20. Não é pouco.
Mas será suficiente para fazer o Flamengo real novamente cruzar com o imaginário e se superar mais uma vez?
Fonte: Olho Tático