A semana foi trágica para o clube de maior torcida do país. Em poucas horas, o Flamengo foi eliminado da Libertadores com mais um Maracanazo para sua coleção, o STJ (Superior Tribunal de Justiça) ratificou que o único campeão brasileiro de 1987 é o Sport (o que tira legalmente do Fla o direito de ter a “Taça das Bolinhas”), e Elias, o melhor jogador rubro-negro no ano passado, foi apresentado no Corinthians. Isso tudo me levou a fazer uma reflexão histórica e atual sobre o Mengão, tendo como inspiração em especial um bom e velho amigo meu, brilhante repórter, com quem eu discutia longamente sobre títulos e épocas douradas do gigante carioca.
Eu era garoto em São Paulo no início dos anos 80 e adorava ver o Flamengo de Zico. Que timaço! Meu pai, também encantado com aquela máquina de jogar bola, não teve problemas em me comprar uma camisa 10 do rubro-negro e um jogo de botão do time que havia me encantado, embora meu velho seja tricolor de coração. Ver aquele Flamengo dar show em nível nacional, continental e mundial era um imenso prazer para um garoto que começava a curtir ali pra valer o bom futebol. Há quase um consenso no país de que aquele Flamengo entre 1980 e 1983 foi o time mais vistoso do Brasil pós-Santos de Pelé. E meus olhos e minha memória infantil atestam isso. Zico era meu ídolo, como é de muitos outros amantes do esporte que não são flamenguistas. Tive a honra de escrever o que penso sobre o Galinho em duas páginas do livro “Simplesmente Zico”, de Priscila Ulbrich. E tive a honra de receber algumas palavras afetuosas de Zico no lançamento do livro há alguns dias. Vi aquela fila enorme de rubro-negros ávidos por um autógrafo de Zico, compreensivelmente considerado um Deus para os adoradores do Mengão. Antes de Zico, o Flamengo era, em termos de título, uma equipe estadual. Havia ganho apenas um Rio-São Paulo, enquanto outros grandes cariocas e paulistas colecionavam títulos aos montes dessa charmosa competição. O Fla, com toda sua força e seu apelo popular, foi o último dos grandes cariocas a ganhar uma taça oficial nacional: o Brasileiro de 1980, que é chorado pelos atleticanos até hoje, assim como a Libertadores de 1981, também rubro-negra.
Minha geração, que começa a viver os 40, tratava os santistas como “Viúvas de Pelé” e via os flamenguistas como os soberanos do país. Com os Brasileiros conquistados entre 1980 e 1992, criou-se o slogan de que “Todo mundo tenta, mas só o Flamengo é penta”. Naquela época, ninguém pensava ou falava em transformar o Robertão em Brasileiro (algo que para mim faz sentido) nem muito menos fazer da Taça Brasil um Campeonato Brasileiro (para mim a Taça Brasil deveria ser equiparada à Copa do Brasil, simples assim). Naquela época, parecia que o Flamengo era tão senhor do Brasil que seria questão de tempo (pouco) para ele ser hexa, hepta, octo, enea… do Brasil, e bi, tri, tetra… da América e do mundo. Mas Zico parou! E, pior, o último grande título e o último supertime do Flamengo ganhou a Copa União (Módulo Verde) de 1987, essa que cansativamente, ano após ano, é contestada pelos tribunais e pelos rivais.
O flamenguista normalmente é muito otimista e muito orgulhoso, com razão. O fato de ser o time de maior torcida do país (alguns dizem hoje ainda, de forma equivocada, que é a “maior do mundo”, um exagero como dizer hoje que o “Maracanã é o maior do mundo”) gera uma sensação de maioral, de rei da cocada, de maior de todos. Por isso vemos cada vez mais uma briga ferrenha entre Corinthians e Flamengo pelo título de maior torcida do Brasil (uma briga que pode sim um dia existir de fato, pois a vantagem do Mengão ainda é relativamente tranquila nas pesquisas), algo que os sites adoram fomentar pois rende muitos milhões de cliques. Alguns amigos rubro-negros meus com mais de 40 anos ficam um pouco temerosos com a possibilidade de um dia, após anos seguidos de sucesso apenas caseiro do Flamengo e do forte crescimento nacional e internacional do Timão (incluindo aí estrutura, com estádio novo, CT de alto nível, marketing, mídia etc.), as pesquisas colocarem o Fla como vice em torcida no país. O time já perdeu oficialmente o posto de maior campeão nacional, algo que mexeu muito com o ego rubro-negro há alguns anos (o hexa sem asterisco do São Paulo e a unificação dos títulos nacionais feita pela CBF, algo que elevou Palmeiras e Santos à condição de octo do país, não são bem digeridos pelos flamenguistas, algo natural). Mas nos últimos 20 e poucos anos, em meio a tantas conquistas do Carioca, a três Copas do Brasil, a uma Mercosul, a uma Copa dos Campeões e a um Brasileiro de pontos corridos com suspeita de entrega no final, o Flamengo viu todos os outros clubes grandes do país conquistarem a América (exceção feita a Botafogo e Fluminense) e três desses (São Paulo, Corinthians e Inter) ganharem o mundo.
Um flamenguista nascido em 1982 viu quase todo mundo ganhar a Libertadores e não teve nem a chance de experimentar o drama de uma final do seu time na nobre disputa, coisa que até o São Caetano conseguiu. A maior alegria dos rubro-negros com a Libertadores nos últimos 33 anos foi ver o rival Fluminense fazer o Maracanã ficar maravilhoso para a festa da LDU na decisão de 2008. Cada vez mais a era Zico está velha (me incluo nela, com dores nos joelhos, no tendão de Aquiles, no ombro…). Cada vez mais aquele período hegemônico do Flamengo no Brasil está distante. O Mengão não tem mais troféus da Libertadores do que o Once Caldas, e hoje pode gozar apenas os rivais estaduais pela falta de títulos internacionalmente relevantes (o vascaíno ainda poderá usar o Sul-Americano de 1948 para se dizer bi do continente). Talvez o Flamengo ganhe mais um Carioca neste ano (virou Rei do Rio de vez, deixando até o Flu em títulos cariocas para trás faz pouco tempo), é favorito por jogar pelo empate a decisão contra o Vasco, mas essa tal Libertadores virou uma espinha atravessada na garganta rubro-negra. São quatro eliminações na fase de grupos da disputa, e os últimos grupos do Fla não eram mesmo da morte. O Mengão é que está conseguindo se matar, apesar de todo seu absurdo potencial.
Conversei sobre este post com o bom amigo Athirson, um dos jogadores de excelente nível que triunfaram muito no Flamengo nas últimas décadas, e ele me lembrou de um fato que impede muito a repetição daquela era dourada do Fla: os clubes brasileiros não conseguem mais manter por muito tempo um esquadrão. Zico mesmo custou a ser vendido e ainda voltou relativamente cedo para brilhar de novo no Mengão. Se por acaso aparecer um novo Zico e um novo Adílio, um novo Andrade, um novo Leandro, um novo Júnior, um novo Mozer, um novo Tita, um novo Raul, um novo Nunes, um novo Lico, um novo Marinho, um novo Figueiredo…, certamente eles ficarão pouco tempo juntos, não vão poder fazer um império como o Flamengo fez no início dos anos 80, não poderão repetir aquele entrosamento e a química que a “Magnética” amava.
Como um grande fã daquele espetacular Flamengo e do alto dos meus mais de 40 anos, deu uma certa pena, na fila de autógrafos do Zico, ver muita gente mais jovem que certamente vibrou e até idolatrou Uidemar, Gaúcho, Gottardo, Léo Moura, Juan, Obina, Pet, Adriano, Elias, Brocador… Todos esses tiveram seus momentos de brilho e glória com o “Manto” e muitos desses encheram meu bom e velho amigo rubro-negro de alegria, mas eles não são Zico e cia nem de longe. Não à toa o Galinho está cada vez mais na moda, é cada vez mais homenageado, é cada vez mais lembrado (tem muita camisa rubro-negra com o ano de 1992 no peito, mas livro mesmo e bom tem o ano de 1981). Sei que Zico é do bem e torce de verdade para o Mengão voltar a ganhar a América e o mundo ou pelo menos voltar a conquistar o Brasileiro em série ou pelo menos voltar a ser o mais temido, não só o mais querido. Mas, quanto mais decepções como a contra o León o Fla acumula, mais Zico vira Deus. Outro amigo e colega rubro-negro comparou bem: a adoração dos rubro-negros por Zico talvez só encontre espelho no amor e na idolatria que os argentinos têm por Maradona (Messi só vai alcançá-lo, para os argentinos, se arrebentar e ganhar a Copa no Brasil).
O auge do Flamengo com Zico está muito acima dos períodos vitoriosos e das conquistas do Mengão antes e depois do Galinho. Ouvi que um outro digníssimo colega rubro-negro responde sempre quando é indagado sobre a qualidade de um jogo: “Eu vi Andrade, Adílio e Zico”, rebaixando tudo que veio depois disso. Esse é um flamenguista com mais de 40 anos, assim como é meu brother Toni, que postou em seu facebook o Zico batendo falta num evento realizado recentemente na Gávea: “Esse eu vi jogar”, escreveu ele, deveras saudoso.
Nunca achei uma ofensa para um santista ser chamado de “Viúva do Pelé”, até porque só pode dar muito orgulho um casamento no futebol por tanto tempo com o maior de todos. Da mesma forma, não acho que seja uma ofensa chamar um rubro-negro de “Viúva de Zico”, um ídolo como craque e com grande caráter. Os flamenguistas com mais de 40 anos são sim “Viúvas de Zico” e demonstram cada vez mais um enorme orgulho dessa condição, isso está cada vez mais nítido para mim (ainda mais vivendo no Rio há mais de 2 anos). Eles são agradecidos por terem visto a melhor fase do Flamengo, uma fase que possivelmente nunca mais volte. Pobre do flamenguista com menos de 40 anos, pois esse, mesmo com tantos títulos locais, com tanta torcida e com tanto orgulho, não teve a sorte de ver de perto o que era seu time no começo dos 80. Hoje, a torcida do Flamengo está dividida, basicamente, entre milhões de “Viúvas de Zico” e milhões de órfãos dos 80 e da Libertadores.
DIFERENCIADO DA VEZ
Pela primeira vez, a seção Diferenciado da Vez traz dois Diferenciados, e não um só. E isso tem duas razões. Primeiro, os personagens em questão foram os algozes do Flamengo no Maracanã nos 3 a 2 do León. Segundo, eles estão sendo comparados pelos eufóricos mexicanos com a dupla Gullit/Van Basten. O atacante Boselli e o meia Peña têm algumas semelhanças sim com os craques holandeses que brilharam demais no Milan e na Eurocopa de 1988 (até me fizeram torcer pela Laranja e pelo rubro-negro de Milão). Com cabelo invocado, Peña já tem o apelido mesmo de Gullit no México. Já Boselli, um matador frio, tem um tipo físico que lembra um pouco o de Van Basten. Boselli, argentino, já foi campeão da Libertadores com o Estudiantes em 2009, castigando naquela oportunidade outro time brasileiro (o Cruzeiro no Mineirão), e tem no currículo também o título da Libertadores de 2007, quando o Boca superou outro time nacional aqui no nosso território (bateu o Grêmio no antigo Olímpico). Assim, Boselli já está na história do nobre torneio da Conmebol como um dos grandes carrascos do futebol brasileiro. Peña conquistou apenas títulos nacionais no México, mas tem a chance agora de fazer história com o León, candidato a ser o primeiro mexicano campeão da Libertadores. Se Gullit e Van Basten ganharam juntos duas edições seguidas da Copa dos Campeões (desde 1989/1990 ninguém consegue um bicampeoanto genuíno do torneio europeu), por que Boselli e Peña não podem ganhar uma Libertadores?
A dupla é diferenciada!
Fonte: Blog do Rodrigo Bueno