O começo foi difícil. As regras diferentes do basquete europeu, a maneira de jogar, a pouca valorização da posse da bola e a adaptação natural de quem passou quase uma década fora de seu país. Tudo era novidade quando Rafael Luz desembarcou no Rio de Janeiro em setembro do ano passado para defender o Flamengo. Somado a tudo isso, o peso de substituir o argentino Nicolas Laprovittola, protagonista das últimas conquistas do clube e ídolo recente dos rubro-negros. Por mais que pessoalmente isso nunca tenha lhe incomodado, ele sabia que a tolerância dos torcedores seria curta. Paciente e experiente apesar da pouca idade, o armador de apenas 24 anos manteve a cabeça no lugar, trabalhou duro e, aos poucos, foi driblando a desconfiança com boas atuações como a da última segunda-feira, quando anotou 16 pontos e foi um dos destaques da vitória por 88 a 79 sobre o Rio Claro, na primeira partida entre as duas equipes pelas quartas de final do NBB 8.
Mas nada disso ilude o caçula da família Luz. Mesmo festejado após sua atuação no interior paulista, o armador reconhece que ainda é cedo para afirmar que vive seu melhor momento com a camisa rubro-negra. Confirmado para o segundo confronto da série melhor de cinco, nesta quinta-feira, às 19h, no ginásio do Tijuca, apesar de ter sido poupado da segunda metade do último treino do Flamengo com dores no joelho esquerdo, Rafa Luz prefere deixar o lado pessoal de lado e elogia o momento da equipe.
– Vou ter que esperar mais alguns jogos para responder isso. Realmente fiz um excelente jogo contra Rio Claro, mas ainda não dá para ter uma ideia se esse é meu melhor momento. Acho que tive outros bons momentos no Flamengo, o final do ano passado e o começo desse ano também foram muito bons. Meu começo foi difícil sim, estava acostumado a jogar de uma maneira nos últimos oito anos e de repente tive que passar a jogar de outra completamente diferente. Demorou um pouco minha adaptação, mas agora é o momento importante do campeonato e o time todo está jogando bem. Isso que importa. Nunca me senti pressionado em substituir o Nico, mas acho que a torcida não entendia dessa maneira. Achavam que eu tinha vindo para o Flamengo para fazer o que ele fazia, mas meu estilo é completamente diferente do dele. Ele foi um jogador importante para o clube e é normal que exista essa comparação, mas desde o momento que fui contratado sabia que nunca faria o que o Nico fez, até porque o que ele conquistou poucos que conseguiram. Ser MVP de muitas finais e ganhar tudo que ele ganhou pelo clube foi muito grandioso para ele e ele marcou o nome dele na história do clube – destacou o camisa 5 do Flamengo, que ainda não se acostumou com o trânsito e o calor escaldante que teima em não deixar o Rio de Janeiro.
– O Rio é uma cidade muito quente, abafada e sofro demais com o calor. O trânsito também é muito complicado, dependendo do horário é muito intenso, estou acostumado a morar em cidade mais calma e que praticamente não existiam trânsito nenhum. Para piorar ainda é contra o fluxo de onde moro. Fora essas coisas que atingem um pouco, estou totalmente adaptado à cidade, já conheço bastante coisa aqui e tem sido uma experiência muito boa na minha vida.
A sinceridade com que encara as perguntas é a mesma demonstrada dentro de quadra. Com médias de 7.4 pontos e 4.2 assistências nas 29 partidas que fez pelo Flamengo, Rafa Luz pode não ter os melhores números nas estatísticas da competição, mas tem sido importante na nova engrenagem rubro-negra. Com características mais defensivas que seu antecessor e acostumado ao jogo mais cadenciado da Europa, o armador acabou tendo influência direta no sistema adotado por José Neto.
– Sabíamos que tudo seria diferente porque as características dele e do Nico são completamente diferentes. Mas temos um grupo experiente e bastante maduro para se adaptar às mudanças, e foi o que aconteceu. A maior dificuldade era a adaptação do próprio jogador, mas como o Rafa já tem uma certa experiência apesar de ser novo e tinha jogado com a maioria deles na seleção, tudo ficou mais fácil. Até pela maneira com que nós jogamos, de ser uma maneira dentro de situações táticas, onde precisamos de um certo controle, o ele já vinha fazendo bem porque era sua função nos times europeus. Ele é um jogador que agregou bastante e ajudou o time a conquistar o primeiro lugar na fase de classificação – ressaltou o comandante rubro-negro.
Elogiado pelo chefe e cada vez mais adaptado ao basquete brasileiro, Rafa Luz ainda sonha em estar na lista dos 12 atletas que disputarão os Jogos Olímpicos do Rio em agosto. No entanto, o único foco do armador no momento é o Flamengo. Recuperado do baque pela eliminação no Final Four da Liga das Américas, após a derrota, de virada, para o Bauru, ele elogia o nível dos adversários na competição nacional, mas aposta no peso da camisa rubro-negra nessa reta final do NBB 8.
– É lógico que sentimos bastante depois da bobeada na Liga das Américas, foi difícil para recuperar o ânimo e dar a volta por cima. Tivemos tudo nas mãos para se classificar às finais e ter uma revanche contra o Guaros (VEN), mas acabamos perdendo por um vacilo enorme nosso. Realmente abalou um pouco, foi um momento muito complicado para o grupo. Mas essa parada foi muito positiva para nós, tivemos tempo para respirar, renovar as energias e esquecer um pouquinho de basquete. Entramos com tudo nos playoffs, mas temos que controlar melhor nosso rebote defensivo e não permitir que o adversário pegue tantos rebotes ofensivos. Acho que esse foi nosso ponto fraco durante a temporada. Em alguns momentos também nos afobamos e perdemos o controle do jogo. Se corrigirmos esses dois pontos acho que não vamos ter tanto trabalho assim nos jogos como vem acontecendo. Sabia que a competição estava mais equilibrada, mas não tanto. Acho que têm seis ou sete equipes que podem brigar pelo título – afirmou Rafa Luz.
Apesar do otimismo e da confiança na força do Flamengo, o armador destaca o jogo externo do Rio Claro e alerta que qualquer descuido pode ser fatal.
– Acho até que estamos conseguindo marcar os laterais deles, mas tem momentos que não estamos fazendo o que combinamos, de não deixar alguém chutar ou não cortar para algum lado. Têm momentos que vacilamos e acabamos dando confiança para alguns jogadores. E sabemos que todo bom jogador quando ganha confiança na partida fica muito difícil de ser defendido. Eles provaram que se vacilarmos podem nos vencer. Abrimos uma diferença boa no primeiro quarto, eles conseguiram recuperar e no final do jogo nossa vantagem caiu para três, cinco pontos. Não podemos bobear.
O técnico José Neto não só concorda como usa uma frase mais do que batida para destacar a importância desse primeiro jogo do Flamengo em casa na pós-temporada.
– Em playoff cada jogo tem sua história. Sei que todo mundo sempre fala isso, mas é uma verdade. O que passou ficou para a história e temos que pensar apenas nesse jogo. Conseguimos ter um pouco mais de ritmo, que era uma preocupação que tínhamos pelo tempo que ficamos sem jogar, e acho que os altos e baixos que tivemos no primeiro jogo foi muito em função disso. A tendência agora é melhor essa questão do ritmo e poder ter o controle do jogo de uma maneira mais constante – disse Neto.
Formado nas categorias de base do Flamengo, Dedé Barbosa sabe a força da camisa rubro-negra e reconhece o favoritismo dos donos da casa. No entanto, o comandante da equipe paulista acredita em um confronto equilibrado e quem sabe até numa vitória caso seus jogadores mostrem a mesma lucidez do segundo quarto e dos minutos finais do jogo 1 em Rio Claro.
– O Flamengo tem uma equipe consolidada e nós estamos apenas iniciando uma estrutura. Temos ambição, esperamos por uma série longa e temos potencial para não deixar a série terminar no Rio. Mas todos sabem, também, que não podemos nos dar ao luxo de errar passes, bandejas, tomada de decisões – comentou Dedé Barbosa, que contará com dois retornos para esta partida.
Expulso no jogo cinco contra o Franca, Daniel Alemão cumpriu suspensão na primeira partida da série contra o Fla e, sem julgamento marcado, está liberado para estar em quadra. Quem também reforçará a equipe de Rio Claro é o armador Fernando Penna, que estava no departamento médico desde o primeiro jogo das oitavas de final contra Franca.
Fonte: GE