Xabier Azkargorta respondia à última pergunta de sua entrevista coletiva, na saída do Maracanã, quando pediu a palavra.
– Foi tudo muito bonito, tudo correto. O Maracanã, o torcedor animando seu time, como deve ser o futebol. Mas levo daqui algo que me incomoda: a falta de fair play dos jogadores do Flamengo em dois lances.
Nós, brasileiros, costumamos nos sentir subdesenvolvidos em relação aos países do chamado primeiro mundo. Mas quando olhamos os vizinhos sul-americanos, enxergamos neles os subdesenvolvidos. Na Libertadores, reclamamos com razão de gramados ruins, violência, ônibus apedrejados, catimba e cafajestagens em geral. Só esquecemos que, muitas vezes, nós as praticamos. E foi preciso que um espanhol, técnico de um time boliviano, nos chamasse à realidade.
O jogo caminhava para o fim. O Flamengo não construíra a vitória que planejara contra o Bolívar. Há uma disputa de bola e, nitidamente, um jogador do Bolívar sente uma contusão. Um rubro-negro também. O time boliviano coloca a bola pela lateral, abre mão da jogada. Ao cobrar o lateral, o Flamengo ignora a gentileza e parte ao ataque. Minutos depois, a cena se repete. Desta vez, até cabe discutir se houve antijogo. Mas há um elemento ainda pior. Neste momento, todo o Maracanã apoia a falta de esportividade. Clama para que o time não devolva a bola.
Até a torcida, que fazia lindo espetáculo, deixou-se contaminar. Danem-se os valores, é ganhar ou ganhar.
Sempre consideramos a Bolívia o submundo do futebol. Sempre ganhamos deles com fartura de gols desde, é claro, que joguemos fora da altitude. Havia uma mensagem implícita na atitude rubro-negra. “Como hoje não está fácil, como não estamos conseguindo construir a goleada protocolar, com licença, mas às favas com o espírito esportivo”.
Futebol é reflexo da sociedade, sim. Mas também é exemplo para esta mesma sociedade. Então, que tal nunca mais esquecer que preservar valores é tão importante quanto os resultados de campo? Clubes têm identidade. E dela fazem parte os valores que cultivam.
Sobre o jogo? Primeiro, é bom contextualizar. Não se tratava do tradicional futebol boliviano que o Brasil se acostumou a enfrentar em Libertadores. Aquele que costuma armar uma retranca mal feita, que perde todas as jogadas aéreas e que não tem qualidade para atacar. Pois bem. Não houve retranca. Havia um time compacto, que atacava e defendia. E o mais assustador: taticamente, era mais moderno e menos previsível do que o Flamengo.
Voltou a surgir o Flamengo das posições estáticas. Abertos, Éverton e Gabriel desenhavam um 4-3-3 primário no primeiro tempo. Fácil de marcar. E Elano, pelo meio, não criava. Sem os laterais titulares, o poder de fogo se foi.
Só os volantes jogavam. Principalmente Cáceres. Mas nem ele, nem Muralha, são exímios protetores da zaga. Então, o Flamengo criava pouco e marcava pouco.
Foi mais vibrante no segundo tempo. Mas nunca equilibrado. Paulinho mudou o jogo na parte ofensiva. Criou um mínimo de variações com Gabriel, complicando a marcação do Bolívar. Mas criou, também, uma avenida na defesa.
O resultado quase que exige uma vitória do Flamengo fora de casa, seja contra Bolívar ou Emelec. O 2 a 2, contra um time boliviano no Maracanã, não pode sequer ser considerado injusto. Há pontos a corrigir. Por que não começar pedindo desculpas aos bolivianos?
Fonte: Blog do Mansur