18 de maio de 2006. Jogo decisivo contra um time de Série C. No sufoco, aos trancos e barrancos, o Flamengo do Senhor Waldemar venceu o Ipatinga de Ney Franco; 2 a 1. Estávamos classificados para enfrentar na final da Copa do Brasil nosso maior rival – que me perdoem os tricolores. A vontade era já disputar as duas partidas nas 48 horas seguintes. Tivemos de esperar 62 dias. Havia uma Copa do Mundo entre a semifinal e a decisão.
Durante ela, descobrimos que a África do Sul era logo ali. Mais uma vez, Zidane deitou e rolou pra cima dos brasileiros. Só encerrou a festa duas fases à frente, quando recebeu cartão vermelho. Craque que era, cobrou pênalti com cavadinha na final da Copa. Gênio que é, conseguiu dar uma cabeçada no peito de um zagueiro adversário sem ser flagrado pelo trio de arbitragem. Foi expulso. Até hoje, não se sabe por quem. De onde veio a informação, a ordem. Era final de Copa do Mundo, a Itália ergueu a taça, e ninguém contesta o feito.
Talvez Peter Siemsen. O presidente do clube campeão da Série C-99 optou por não ir ao Fla-Flu dessa quinta-feira, no Raulino de Oliveira. Mas se dispôs a entrar por telefone no Sportscenter 3ª edição para falar que pedirá a anulação da partida. Tudo por causa do gol não validado de Henrique.
Sabemos que Henrique estava impedido, não sabemos impedimento de quem havia sido marcado. Dizem nossos rivais que de Cícero; “palavras do auxiliar”. Emerson Augusto de Carvalho levantou a bandeira na hora, Sandro Meira Ricci anulou o lance. Jogadores tricolores reclamaram e a arbitragem voltou atrás. Foi a vez do banco do Flamengo ir pra cima. Os rubro-negros tinham sim a informação de alguém que havia visto a jogada pela televisão. Willian Arão confirmou e, no meio da confusão, dá pra fazer a leitura labial clara de Leandro Damião falando que a TV havia mostrado o impedimento. Grita daqui, berra de lá, e ouve-se uma voz afirmando que eram 3 em condição irregular no lance. E eram. A certeza que temos é a de que o vídeo interferiu na argumentação flamenguista. Se foi determinante na decisão do árbitro, provavelmente nunca descobriremos, assim como com o ocorrido na final da Copa de 2006.
Aproximadamente 13 minutos após a cabeçada do zagueiro tricolor, a bola voltou a rolar. O placar se mantinha o mesmo. O jogo paralisado aos 39:23, voltou aos 52 e tano. Terminou aos 59:42. Ou seja, tivemos cerca de 1 minuto e meio de acréscimo. Pouco, indiscutivelmente. Mas não tão absurdamente abaixo dos tradicionais 3 ou 4 minutos – comum para um segundo tempo com uma parada para atendimento médico, 2 gols e 4 pausas para substituições. Não caiamos no conto de que transformaram os 13 minutos de interrupção em 7.
Também teve futebol no Fla-Flu. Jogo bom. Pegado, acirrado, sem muitas chances e com o Fluminense um pouco melhor, nos 90 minutos. Do nosso lado, a zaga menos afiada que de costume, embora errando os passes de sempre. Sobrecarregado, Márcio Araújo também esteve abaixo. Autor de algumas “entregadas”, precisava – ao lado de Arão – cobrir os buracos que Alan Patrick deixava atrás. O meia teve mais uma noite infeliz, nesse novo esquema de Zé Ricardo. Nada criou, mas segue tendo um poder de decisão maior que o de todos os nossos “atacantes rápidos de lado”. É justificável a escolha do professor.
Com um jogador lento, que não usou sua qualidade para se aproximar de Diego, o setor ofensivo criou menos do que o habitual. Dá pra relevar. Vencemos um clássico, e o Flamengo não tem ido bem contra os rivais do Rio desde o ano passado. Vide o Fla-Flu primeiro turno, em que só o Mengão foi a campo e, ainda assim, conseguiu perder. A grande diferença é que agora temos Diego, que mesmo quando não se destaca, joga um futebol muito acima dos demais.
Alex Muralha voltou e segue sem provar por que se tornou jogador de Seleção. Um goleiro espetacular talvez tivesse espalmado a cabeçada de Henrique. Inseguro, principalmente após o “não gol” do zagueiro, Muralha saiu estabanado em algumas bolas aéreas e falhou na defesa inicial que gerou o bate-rebate com Wellington Silva. Aaah, Wellington Silva. Aquele que trocou a Gávea pelas Laranjeiras dizendo “vim para ser campeão”. Que presente você nos deu! Fernandinhho – o iluminado – fez bom uso dele. Gol do Flamengo, o da vitória.
Alan Patrick mal, Fernandinho no lugar certo na hora certa, e Leandro Damião… Leando Damião! Bem sem a bola, péssimo com ela. Atrapalha-se, perde gols, isola chutes que artilheiros não desperdiçariam. Ao mesmo tempo tem disposição, volta pra marcar, corre o tempo todo e faz cansar a defesa adversária. Como consta no contrato, é obrigado a tentar – no mínimo – um gol de bicicleta por partida. Na cabeçada de Fernandinho, jogou contra, tirou nossa chance de abrir o placar. Instantes depois, foi premiado com um gol, mesmo sem ter tocado a bola.
É inegável que Réver começa o lance em posição de impedimento, assim como que a trombada em Júlio César só ocorre devido à chegada de Pierre. Na letra fria da lei; se foi impedimento – por interferência – , foi pênalti antes. Na “letra quente”, nem um nem outro. Aos que permanecem em dúvida, vale recorrer à imparcial análise do vascaíno Carlos Drummond de Andrade:
“Pierre empurrou Réver que empurrou Júlio César
que não empurrou ninguém.
Leandro Damião não alcançou, William Matheus tomou uma bolada na cara,
Henrique uma no braço e a bola foi parar dentro do gol
que não tinha entrado na história.”
Tá aí o grande erro da arbitragem. Henrique fez um gol legítimo sim, o primeiro do jogo. Só que Sandro Meira Ricci creditou a Leandro Damião. Finalmente dá pra entender a revolta de atletas, dirigentes e torcedores do clube que terminou os Brasileiros de 96 e 97 na penúltima posição, o de 2013 na 17ª, e a Série B de 98 na vice-lanterna. O único dos chamados grandes que disputou a segunda divisão e não ficou no grupo de acesso à elite.
Deixemos eles de lado. Ocupemo-nos com o Flamengo, que – merecidamente – voltou a vencer um clássico, encurtou a distância para o líder e conta com mais 3 pontos na luta pelo heptacampeonato. O título não está mais próximo, nem mais distante. Está onde sempre esteve, lá no dia 4 de dezembro. Façamos de tudo para conquistá-lo.
Restam 8 batalhas, a próxima será no domingo. E se uma ponta da “crise” pegar, que as palavras de outro ilustre autor façam sentido. Foi o tricolor Nelson Rodrigues que escreveu: “Cada brasileiro, vivo ou morto, já foi Flamengo por um instante, por um dia.”
Ontem foi o dia de Henrique.
Marcos Almeida
Fonte: Nosso Flamengo