Logo após o lançamento do meu humilde livrinho Da Lama ao TRI, na segunda quinzena de dezembro, tentei submergir na ignorância e me manter afastado de tudo que se relacionasse com o submundo do futebol pátrio. Depois de empurrar o caminhão ladeira acima durante todo o nefasto 2013 me pareceu justo surrupiar alguns dias de trabalho devidos aos meus empregadores e me entregar à vagabundagem completa, que incluía, obviamente, a recusa consciente à qualquer tipo de informação, notícia ou fofoca relacionada ao futebol.
Tarefa virtualmente impossível, porque o fim da temporada anual de futebol não é respeitado por mais ninguém. Jogadores, jornalistas, cartolas e empresários do futebol agem como se as férias do futebol não existissem e durante dezembro continuam a fornecer aos torcedores, em doses diárias e excessivas, as porções do ópio que mercadejam sem pejo durante os outros onze meses do ano. Uma esculhambação.
Nos últimos 30 dias a tradicional masturbação oniomaníaca dos torcedores em busca de reforços consagradores para suas respectivas equipes, de rigor no fim da temporada, teve que dividir espaço na mídia com a eletrizante azáfama dos bacharéis e seus muitos recursos em tribunais Playmobil de legitimidade discutível.
As especulações sobre a venda ou a vinda de jogadores do time A para o time B foram para a segunda página dos cadernos esportivos pois a primeira foi ocupada pela grotesca e despropositada presepada armada para manter, na base da canetada, o recalcitrante Florminense na 1ª Divisão.
Pessoalmente, não vejo nada de muito grave, e nem de muito inédito, em que os donos do jogo se protejam e pisem cruelmente no pescoço dos pequenos na defesa de seus faturamentos e de seus associados mais parrudos. O futebol profissional é um negócio e nos negócios todos são iguais perante às leis, sejam as leis de mercado ou as do Código Civil. Mas não se pode esquecer que no mundo em que vivemos uns são mais iguais que outros.
Não restam dúvidas que para o negócio do Flamengo é muito melhor jogar um campeonato com um Florminense, ainda que moralmente coxo, do que com um Icasa ou uma Chapecoense de ficha limpa e moral supostamente ilibada. Se para manter os índices de rentabilidade do negócio atrativos pros grandes alguma equipe tem que ser operada sem anestesia na 39ª rodada do campeonato, bem… que se opere a Portuguesa que tem menos torcida e grita menos. Essa é a lógica do mercado e já desisti de me rebelar contra ela.
Contudo, sou old school e ainda confiro exagerada importância à valores imateriais tais como imagem pública e vergonha na cara, que admito, são totalmente démodés em janeiro de 2014. Achava mais digno quando quem virava a mesa no fim do campeonato se contentava em abrir uma champagne para comemorar a malfeitoria.
Penso que a neo-viadagem floral de bater uma carteira e reclamar de perseguição dos meios de comunicação quando lhe chamam de ladrão é ainda mais deletéria à imagem institucional e à reputação do ladrão que o próprio crime cometido. Todo esse faniquito faz ainda menos sentido quando sabemos muito bem que nas Laranjeiras esse negócio de reputação já caiu em desuso faz tempo. É só mais uma manifestação imprópria da pura vontade de aparecer, a peste do século XXI.
Diante desse desnecessário strip-tease moral do futebol pátrio sou forçado a admitir minha hipocrisia. A high putary praticada nos gabinetes confederativos em detrimento do que acontece dentro dos quadriláteros relvados de Pindorama não me era desconhecida e nunca fui às ruas para combate-la. Mas, como todo homem de bem que frequenta os bas-fonds, prefiro que tudo que ofende a moral alheia e os bons costumes da sociedade seja feito com descrição e elegância, sem dar bandeira. E sem sujar.
Sou cínico o suficiente para não acreditar em nenhum retorno à moralidade, mas clamo pela volta do velho costume da manutenção das aparências. A transparência é benéfica aos sentidos quando por trás dos véus se revela algo bonito. Se for pra exibir pornograficamente as muxibas, pelancas e varizes do que deveria manter-se oculto que adote-se imediatamente a burca. Nem que seja para simular alguma consideração com os otários pagantes.
Temos o ano de 2014 inteiro pela frente. Ano em que o futebol, ainda mais do que nos outros anos, será parte central da vida de milhões de incautos. É muito difícil se empolgar, e empenhar grandes quantidades de tempo e dinheiro, em algo que todos sabem ser uma gigantesca farsa encenada para o enriquecimento de tão poucos. Que um ou outro Mister M estejam sempre prontos a desnudar a verdade por trás da prestidigitação, tudo bem. Mas o conhecimento universal das práticas usuais por trás do balcão do loja não é bom pros negócios. Se todos forem espertos e souberem de tudo quem serão os otários para pagar a conta?
Por isso faço um apelo, que já o sei inútil, aos donos da bola. Fiquem mais no sapato, me enganem, me iludam, confundam meu julgamento, mas mantenham, ao menos, a ilusão de que é o futebol é o único campo do conhecimento humano onde a ética, o mérito e o respeito às leis não se dobram ante o poderio econômico. Insistam na venda da quimérica ideia que o belo esporte é o reino do onze contra onze e de que o melhor sempre vence. Me engana que eu gosto.
Fonte: Urublog