O Flamengo desrespeito suas raízes populares ao estabelecer preços altíssimos para a final da Copa do Brasil.
Torcedores estrilaram. Acusaram a diretoria de elitista. O Procon entrou na jogada (!). Políticos aparecidos avançaram com faro artilheiro. Até o Ministério Público abriu inquérito para apurar. Estacionaram um carro da polícia na Gávea.
O Maracanã tem 50,5 mil lugares à venda para torcedores do Flamengo nesta partida. A torcida do Flamengo tem entre 35 e 40 milhões de pessoas. Numa regra de três singela – e jogando pra baixo (dizendo que a torcida tem 35 milhões) – o Maracanã só será capaz de acomodar 0,14% da torcida rubro-negra nesta partida. Como escolher esses 0,14%? Há, evidentemente, uma disparidade absurda entre procura e oferta. A pergunta a se fazer é uma só:
– Quanto vale o show?
A lei de oferta e procura não vai ser revogada pelo Procon, pelo MP nem pelos políticos que se fingem de justiceiros. Se você baratear o ingresso – ele vai ficar abaixo de seu valor real – e o eventual lucro será terceirizado. Mais que isso: se você jogar o preço lá embaixo – como vai lidar com o sócio-torcedor, que já pagou ao menos R$ 40 mensais para ter prioridade e descontos na compra do ingresso?
Há uma indignação justa por parte dos rubro-negros menos favorecidos – que apoiaram o time quando a diretoria baixou o preço das entradas. Esse torcedor se sente traído – é até compreensível. Mas não existe maneira de preservar esse suposto direito. Se o clube abrisse ingressos populares nas bilheterias – o popular teria que se digladiar com outros milhares em busca do ingresso, certo? Mas, antes dele, existe o sócio-torcedor – que paga mensalmente justamente pela prioridade.
Como deveria proceder o Flamengo para preservar o zé-povo? Separar um setor com preços baratos? No Maracanã atual, a única solução cabível seria separar o Leste Superior (8,3 mil ingressos). Ainda assim – como seriam escolhidos esses 8,2 mil? Saindo no braço na fila – onde os cambistas deitariam e rolariam – extorquindo justamente os mais pobres – e elevando naturalmente o preço dos ingressos?
O Maracanã atual deveria ter setor popular – mas só terá para a Copa. Nas competições da FIFA as leis são outras – pode-se até beber álcool dentro do estádio, algo vetado nas competições de nossos endividados clubes.
Façamos um exercício com os preços mais baixos impostos pela liminar do Ministério Público. Para esse exercício, levemos em conta que os sócios-torcedores já são mais de 50 mil, ou seja, a cota de ingressos deverá ser totalmente comprada por eles.
Nos setores Norte e Sul do Maracanã temos 44 mil ingressos disponíveis. Temos que tirar dessa conta 10% (gratuidades) e os 7,5 mil que a PM separa para proteger a torcida visitante. Sobram 32,1 mil ingressos a R$ 120 reais. Lembremos, no entanto, que 80% dos compradores são estudantes de carteirinha. Isso significa que 25.680 torcedores pagarão metade do preço (R$ 60). Como o Flamengo acrescenta desconto de 50% para seus sócios-torcedores… esses 25.680 pagariam R$ 30 – e gerariam uma renda de R$ 770.400.
Os outros 6.420 pagariam inteira – com 50% de desconto – ou seja R$ 60 – gerando R$ 385.200. Para calcular os outros setores, tomamos como base a quantidade de assentos disponíveis para o último Vasco x Santos – já excluindo as gratuidades e cativas (cerca de 11 mil). E levamos em conta o desconto de 40% que o Flamengo estabeleceu para seus STs.
a) Maracanã Mais (Oeste) – aqui temos 1469 cadeiras a venda por R$ 320. Digamos que nesse público VIP haja apenas 50% de estudantes – ou seja 735 almas pagariam metade do preço. Assim teríamos 735 pagando R$ 96 (depois dos 40% de desconto) gerando R$ 70.560 e 734 pagando R$ 192 e gerando R$ 140.928.
b) Leste e Oeste inferior – aqui temos 10538 cadeiras à venda por R$ 200. Com 80% de estudantes e 40% de desconto de sócio teríamos 8430 pagando R$ 60 (total de R$ 505800) e 2108 pagando R$ 120 (total de R$ 252960)
c) Leste Superior – aqui temos 8335 cadeiras à venda por R$ 160. Novamente –teríamos 6752 pessoas pagando meia com 40% de desconto (R$ 48 – total de R$ 324.096) e 1668 pagando inteira com o mesmo desconto (R$ 96 – total de 160128).
Somando todos os setores, a renda bruta seria de R$ 2.610.172. Levando em conta que o Flamengo racha a conta com o Consórcio Maracanã – é justo considerar que o clube faturaria com seu melhor jogo no ano algo em torno de R$ 1,3 milhão – sem incluir as penhoras. Caso o clube pudesse praticar os preços originalmente planejados – e usando os mesmos parâmetros acima (ou seja partindo da hipótese que os STs comprariam todos os ingressos), a renda bruta seria de R$ 6.382.860. E o clube embolsaria ao menos R$ 3 milhões. Em suma – a liminar do MP vai aliviar os cofres do Flamengo e do Consórcio em cerca de R$ 3,8 milhões.
Como comparação – a renda de Santos x Flamengo, na abertura do Brasileirão, foi de aproximadamente R$ 8 milhões. Outra comparação ainda mais interessante: Cruzeiro 3 x 0 Grêmio no Mineirão na última rodada. Com 58 mil pessoas no estádio, a renda bruta foi 5,2 milhões. O Cruzeiro sairia do estádio com R$ 4 milhões no bolso (não fossem deduções e acordos). O preço dos ingressos variou de R$ 75 a R$ 250 – mas o grosso do público (29,6 mil) foi de sócios-torcedores do clube que pagaram R$ 50 (e geraram 1,5 MM). Minas não tem a gentil lei da gratuidade carioca.
Em outras palavras, o que o Flamengo fez foi tentar evitar a terceirização dos lucros. Ao majorar os preços – o clube reduziu a ação de intermediários. Sim – porque se ingressos “baratos” chegassem até as bilheterias – a maior parte deles seria comprada e revendida pelo “preço justo”.
Não existe mágica em economia. Ingressos a R$ 800 soam caríssimos? Soam. Mas eles são apenas 1500 ingressos VIPs com serviços (o que, aliás, foi muito mal comunicado) .E o custo real deles é bem menor. Mas… qual foi o percentual de torcedor das classes D e E que pagou R$ 150 para ir na semifinal?
Mais do que isso: deve o clube abrir mão de faturar – deixando que sua receita caia no bolso de intermediários – em nome de uma suposta defesa do povo? Até porque… que povo seria esse? A conta não fecha. No mínimo, 34 milhões e novecentos e cinquenta mil flamenguistas verão o jogo pela televisão. A esmagadora maioria deles gostaria de estar no Maracanã – e não estará. A torcida do Flamengo – ou 99,86% dela – não verá o jogo no estádio.
O que é o preço justo? É aquilo que você estiver disposto a pagar – caso caiba no seu bolso. O que é justo para um jogo de futebol? Alguém tem essa resposta? No último sábado, contra o Goiás o Flamengo botou ingressos a R$ 40 (R$ 20 para meia-entrada)– e apenas 10 mil rubro-negros pagaram ingresso. Ao menos 40 mil rubro-negros escolheram outro programa. E aí ninguém ficou chateado com as 40 mil cadeiras vazias? Onde estava a indignação de bolso?
Pensando politicamente, a diretoria rubro-negra poderia ter separado – ou tentado separar – os 8335 ingressos da leste superior para o zé-povo – jogando o preço pra baixo. Mas… quem compraria esses ingressos – velozmente – seriam os sócios-torcedores que pagam os planos mais caros. Ou seja – não funcionaria. A FIFA, com suas prerrogativas, sub-setorizou o Norte e Sul do Maracanã na Copa – e botou ingressos a R$ 60 nesses “mini-setores”. O Flamengo, atualmente, não pode fazer isso.
Em suma, fiquemos com os números:
1 – 99,86% da torcida não verá o jogo no Maracanã – estejam os preços caros ou de graça.
2 – R$ 1,5 milhão será o que o Flamengo deixará de faturar caso os preços “justos” sejam praticados
Fonte: Coluna Dois