É muito compreensível o desejo da Nação de ter um estádio particular, mas a complexidade dessa solução é quase sempre subestimada.
Como dissemos anteriormente, dos 12 clubes brasileiros considerados grandes, apenas o São Paulo tem a gestão plena de um estádio grande.
· Vasco e Santos possuem estádios acanhados e antiquados, principalmente o último.
· Palmeiras, Grêmio e Inter são provedores de conteúdo para um estádio que pertence, na verdade, a uma sociedade anônima na qual os clubes não são controladores.
· Botafogo é arrendatário do Engenhão, de futuro um tanto incerto.
· A situação do Corinthians ainda é um tanto nebulosa, mas se aproxima mais do modelo de Palmeiras e dos clubes do Sul do que a do Morumbi.
· Atlético MG joga no estádio do América MG.
· Cruzeiro, Flamengo e Fluminense tem arranjos com estádios públicos.
Portanto, “ter” um estádio deixou de ser uma realidade para os clubes brasileiros. A escolha do Flamengo, enfim se resume a optar entre fazer uma aliança com o Consórcio que administra o Maracanã ou com algum concorrente, que administre outro estádio. Não custa lembrar que o Consórcio Maracanã pertence 90% à Odebrecht, 5% à AEG e os 5% restantes ao Eike Batista.
A Odebrecht é a verdadeira dona não apenas do Maracanã, mas também da Fonte Nova, da Arena Pernambuco e, sim, do Itaquerão. A AEG, outra sócia do Consórcio, além do Maracanã administra a Arena da Baixada, a futura Arena Palestra (do Palmeiras). A Arena do Grêmio está com a OAS. O Beira-Rio, com a Andrade Gutierrez. O Castelão, com a Queiroz Galvão. O Mineirão, com a Egesa.
Ora, basta olhar ao redor que, em termos de modelagem do negócio e alianças que poderiam ser costuradas, o ambiente de negócios que o Flamengo enfrentará na construção de um estádio próprio seria muito semelhante ao do Novo Maracanã, dado que os players seriam, basicamente, os mesmos. Aliás, nos arriscamos a dizer que a negociação talvez fosse um pouco pior, porque enquanto o Maracanã é um estádio de comprovada rentabilidade e localização privilegiada, um estádio inteiramente novo traria no pacote algum grau de incerteza de sua viabilidade econômica.
Logo, orgulho rubro-negro à parte, em termos econômicos um novo estádio somente se justificaria caso a rentabilidade do Maracanã fosse aviltante ou se a projeção de ganhos na nova arena fosse muito superior aos 50% hoje vigentes no novo acordo com nossa velha casa. Cenários, sejamos francos, altamente improváveis.
ESTÁDIO NA GÁVEA?
A reformulação da Gávea sempre esteve na ordem do dia de todos os dirigentes e candidatos do quadro social do CRF. É quase uma unanimidade o sonho de ter um estádio de menor porte, para fugir dos custos do Maracanã em jogos de menor afluência de torcedores.
A concretização desse desejo não consegue superar um obstáculo de proporções colossais: o velho estádio está incrustado na região mais nobre na cidade, na divisa dos bairros da Lagoa, Leblon e Gávea. Ora, é ingênuo pensar que uma população tão economicamente privilegiada, com alto poder de influência e mobilização, veria com bons olhos a instalação de um estádio de futebol em suas cercanias – na verdade, nos últimos 20 anos todas as tentativas de revitalização da Gávea que apontassem para a construção de um estádio ali fracassaram exatamente por conta da oposição, pública ou velada, da vizinhança endinheirada, que se articulou para barrar o licenciamento das obras.
Mas mesmo que ultrapassado o aparentemente intransponível obstáculo político, o estádio da Gávea permanece como uma incógnita. Afinal, que tipo de estádio cabe ali?
Se for um estádio mais audacioso, com capacidade mediana, lugares VIPs, instalações confortáveis, voltamos à problemática do item anterior: o negócio somente se viabiliza com uma parceria com investidores/operadores externos. Que, em um espaço com limitações de público (não dá para imaginar nada acima de 30 mil naquele espaço, talvez 20 mil já seja difícil), tenderão a ser ainda mais exigentes em suas premissas.
Se for um estádio mais modesto, desses em que se pode sonhar erguer com recursos próprios e parcerias pontuais, o risco é algo tão arraigado à alma rubro-negra: a dificuldade de se comprometer com projetos de longo prazo e que sobrevivam à alternância de poder no clube.
Vejam o caso do CT Ninho do Urubu, um projeto iniciado em 1984, com a compra do terreno. De lá para cá, o Flamengo já tentou de tudo: vendeu pulseirinhas, tijolos, pegou patrocínio com a AMBEV, cedeu o Morro da Viúva e a obra continua inconclusa e sem previsão de avançar. Sem entrar no mérito do acerto ou não, há poucos dias o clube decidiu remanejar recursos antes reservados para o centro de treinamento (o valor pago pela cessão do Morro da Viúva) para pagar salários. Isso mostra uma crônica incapacidade de se ater a projetos que se sobreponham às dificuldades cotidianas.
A pergunta, portanto, é inevitável: como um clube que em quase 30 anos não consegue concluir um mero centro de treinamento orçado em apenas alguns milhões de reais, conseguirá levar adiante uma reformulação de seu estádio, que custará dezenas ou centenas de milhões e atravessará mais de um mandato? As idiossincrasias rubro-negras, tão latentes e pulsantes, são postas de lado para dar lugar ao mais puro wishful thinking.
RESUMINDO
Enfim, emoções, sonhos e desejos vão dominando um debate onde deveria prevalecer a racionalidade econômico-financeira. Temos seis meses para avaliarmos com critérios objetivos os desdobramentos dos ajustes firmados com o Consórcio e projetar a melhor rentabilidade possível. O assunto é sério e não é o caso de reduzi-lo a um clima de Fla x Flu.
Fonte: Magia Rubro-Negra