Na última segunda-feira (15), o mundo do futebol foi pego de surpresa com a tardia e exagerada sentença do Tribunal Arbitral do Esporte (TAS, ou CAS), que aumentou a pena de doping do atacante Paolo Guerrero de seis para 14 meses (após pedido da WADA – Agência Mundial Antidoping), decisão que deixa o atleta de 34 anos fora da Copa do Mundo.
É questionável não ter recebido maior importância por parte do tribunal o fato de que o peruano não teve a intenção de melhorar seu desempenho ao usar a substância pela qual foi condenado. A cocaína, ou o seu metabólito benzoilecgonina, só gera aumento de performance se consumida poucos minutos antes de uma atividade física. Caso contrário, é extremamente prejudicial.
Além disso, atletas flagrados após o consumo de cocaína refinada costumam apresentar uma concentração maior que 500 mg da substância por mililitro de urina, quantidade dez vezes maior do que a que havia na amostra do jogador peruano.
Por esta razão, em novembro, a Fifa aceitou como prova a justificativa de que a contaminação se deu pelo uso de um chá de coca, que teria sido consumido em um hotel em que a seleção peruana esteve hospedada, e decidiu que Guerrero deveria ficar seis meses afastado dos gramados. Vale lembrar que o primeiro julgamento da entidade havia determinado que o jogador fosse punido por um ano, que é a pena mínima determinada por seu regulamento.
Doping “de verdade”
Um aspecto a ser questionado é o histórico do tribunal em relação ao uso de substâncias que trazem, de fato, ganho esportivo.
Em 2011, TRÊS (!) nadadores brasileiros (entre eles, o recordista mundial César Cielo) testaram positivo para a furosemida, substância que ocasiona perda de peso e pode ser utilizada para mascarar o uso de anabolizantes. O caso foi levado ao Tribunal Arbitral do Esporte pela FINA (Federação Internacional de Natação), mas os três receberam apenas uma advertência.
Um ano antes, a ex-ginasta Daiane dos Santos também foi flagrada no doping por furosemida. Ela recebeu uma punição de cinco meses e pôde participar dos Jogos Olímpicos de 2012 (o que não seria possível se a punição tivesse sido de seis meses). A WADA, na ocasião, aceitou a decisão da FIG (Federação Internacional de Ginástica) e escolheu não levar o caso ao TAS.
Uma outra sentença feita pelo TAS que ajuda a dar uma melhor dimensão sobre o exagero na punição de Paolo Guerrero é o banimento do ex-presidente da UEFA, Michel Platini. Em 2016, o órgão decidiu manter a sentença determinada pela Fifa ao ex-dirigente, que foi condenado por ter recebido pagamentos ilegais (1,8 milhão de euros) da entidade durante a gestão Blatter. Por quanto tempo? 48 meses, período que representa pouco mais de três vezes o que o atleta terá que cumprir. Veja bem: 1,8 milhão de euros!
Dois pesos, duas medidas
Comparando com casos envolvendo outros jogadores de futebol, em 2002, o goleiro Mark Bosnich, que na época atuava pelo Chelsea, foi suspenso por nove meses após o uso de cocaína. Um ano depois, o romeno Adrian Mutu, também dos Blues, foi punido por sete meses pelo uso da mesma substância. Já em 2010, Jóbson, ex-atacante do Botafogo, recebeu uma punição de dois anos por uso de crack, que posteriormente foi reduzida para seis meses.
Diferentemente de Guerrero, eles consumiram cocaína refinada (ou drogas similares), mas receberam punições mais brandas que a do atacante. Além disso, a WADA (Agência Mundial Antidoping) também escolheu não protocolar nenhum pedido no TAS para que esses atletas tivessem suas penas ampliadas.
Por fim, outra objeção a ser feita em relação à decisão do TAS é a falta de celeridade no processo. Por que decretar a sentença justamente quando o atleta havia acabado de cumprir a punição que lhe havia sido determinada anteriormente?
É de conhecimento geral que um dos principais pilares da justiça é o princípio da isonomia, a ideia de que todos devem ser tratados da mesma forma perante as leis. O TAS, porém, e principalmente a WADA, parecem não levar esse conceito muito a sério.
Reprodução: Rafael Serra | Esporte Interativo