Era gata. E não houve uma vez sem ser emocionante. Sorri, chorei e até xinguei! Madura, ficávamos no mínimo duas horas juntos. Eu não fui o primeiro. Muitos se apaixonaram e não viviam sem ela. Muitos mesmo. Vou te contar que meu pai também andou ali. E meu avô também.
De vez em quando ela sumia. Alegava que precisa se repaginar para uma festa. Só que da última vez desapareceu como se não houvesse amanhã, nem semana que vem, nem próximo mês. Foram dois anos e nove meses longe de mim.
E voltou.
Diferente. Bastante diferente. Quase irreconhecível. Esfreguei os olhos e precisei de algum tempo para saber se ela era mesmo. Estava classuda, cheia de não-me-toques, parecia chegada da Europa. Mas naquela elegância de salto alto residia ainda a alma descalça que chupava um Chicabon melhor do que todas.
Era ela.
Ainda barulhenta e traiçoeira. Quando você acha que ganhou um beijo, ela te engana e se entrega ao outro. Aí você pensa em desistir, levanta e quer embora, mas ela te fisga pelo pescoço e te obriga a sentar de novo. No colo.
Ainda estou em dúvida se a amo como sempre amei.
Ela, claro, é ele.
O Maracanã.
Lá fui eu conhecer, ou reconhecer, a velha paixão. Desde a primeira vez, que não me lembro qual foi de tão pequeno que eu era, até o domingo de Brasil x Inglaterra, devo ter contabilizado mais de 500 visitas ao Maior do Mundo. Sim, Maior do Mundo para sempre. Não importa se cabem menos pessoas, será sempre o maior, é uma questão de crachá.
Contra a Inglaterra, velhos e novos companheiros ficaram ressabiados. Uns não perdoam as mudanças. Outros celebram a modernidade e o conforto. E alguns levantaram para ir embora mais cedo quando a Inglaterra fez o segundo gol. Tolinhos. Tiveram que voltar correndo depois do empate. O Maracanã sempre fez isso com a gente.
E depois de muito matutar, de olhar em volta, de limpar a poeira das cadeiras e observar o olhar embasbacado de 60 mil corações com torcicolo, eu vos garanto, sem medo de errar!
Por mais que tenham perfurado, quebrado, maculado a estrutura do Colosso do Derby, ele continua sendo o Maracanã.
Nem novo, nem velho.
O Maracanã.
Sim, sim, ainda existe um setor da arquibancada que dá para ver o Cristo Redentor! E as antenas do Sumaré! Verdade que o prédio da Petrobras ficou meio escondido. Ora, bolas, pior para a Petrobras. E o maciço da Tijuca não é mais tão visível quanto era antigamente. Pior para a torcida.
Mas o sol na cara continua lá, desesperando os que compraram ingresso no lado oposto à tribuna da imprensa. O velho ovo ensolarado, que vai diminuindo ao cair da tarde, relembra a falta que o protetor solar faz no verão. Quem já não voltou do Maracanã com o rosto tal qual pimentão?
Infelizmente a Suderj não informa mais nada. Mas desde a morte de Victorio Gutemberg em 2004, a voz que sai do alto falante não representa o passado romântico das escalações e substituições de outrora. “Número Dez… Roberto… Di-na-mi-te”.
Quem ouviu ouviu…
Arquitetonicamente falando, a barra de cimento que circunda o estádio consegue ser mais horrenda que o antigo fosso. Se era patético ver a bola quicando no fosso cheio de poças depois de uma isolada de algum zagueiro pereba, nada mais horrível que assistir a bola batendo neste muro cinza. Que as bandeiras o cubram rapidamente ou que os novos síndicos pintem as ondas da calçada da Avenida Atlântica, por exemplo.
Foram muitas mudanças. Porém, bastou a casca ficar para a alma não morrer. E a casca do Maracanã está lá, acima de tudo e de todos. As lâmpadas redondinhas e os frisos azuis se foram, mas a casca permanece, adornada pelas velhas rampas que ilustram cartões postais espalhados pelo mundo inteiro.
Outra boa notícia. Não dá mais para se espremer nas rampas que levavam o formigueiro de gente para as arquibancadas. Mas tem a notícia ruim. O salutar hábito de, ao fim dos jogos, na saída da arquiba, dar um pulo e estapear a folha de metal da Brahma que ficava acima das nossas cabeças, sumiu para sempre.
Como também sumiram para sempre, graças a Deus, as malditas e lúgubres cadeiras azuis, para onde éramos obrigados a ir quando não conseguíamos ingresso na arquibancada. Morreram e levaram junto a sensação de claustrofobia da torcida com o teto baixo e cheio de chapisco assustador.
Hoje o Maraca é claro e reluzente. Brilhando igual carro novo.
A visão é muito semelhante, fora os novos lugares que hoje estão no lugar da Geral. E me perdoem os poetas, mas a Geral de saudosa não tem nada. Mais parecia uma sarjeta. Ninguém era bem tratado. Havia assaltos e polícia truculenta. Quando estudante sem dinheiro, cansei de ir na Geral e voltar com câimbra na panturrilha. Não dava para ver nada. Quem tem saudades da Geral nunca foi ao jogo de Geral.
E eis o segredo da fé!
Quando você for ao Maracanã, procure lembrar o que era bom e chorar de saudades. Mas tente também se recordar dos momentos pocilga, da barriga espremida no corrimão de ferro, no xixi em copo que voava sem pudor, no desespero de chegar em cima da hora e ficar dando voltas no anel externo para tentar entrar em algum acesso um pouco mais livre.
Se trocarmos o “antigamente que era bom” por “os bons tempos voltaram” teremos chances de ser mais felizes no Maracanã.
Ele continua o mesmo.
Nós é que temos que mudar.
Fonte: Garamblog