Postado em: 27 de fev de 2013.
Um pagamento que gerou dois recibos com a mesma data – mas com assinaturas e naturezas diferentes. Dinheiro circulando em espécie. E R$ 25 mil que deveriam ter entrado na contabilidade do Clube de Regatas do Flamengo – mas jamais foram registrados. Esses são os elementos da estranha história do aluguel do gramado princilpal da Gávea para a Confederação Brasileira de Rúgbi (CBRu) em março de 2012. Uma história que está sendo investigada pela auditoria contratada pela diretoria que assumiu o Flamengo em janeiro deste ano.
A história começou em março do ano passado – quando a CBRu alugou o gramado rubro-negro para realizar um evento de rúgbi de sete (ou rugby sevens – a modalidade olímpica do esporte). O evento aconteceu nos dias 10 e 11 de março de 2012. O Flamengo cobrou R$ 25 mil pelo aluguel de suas dependências. Na hora de acertar o pagamento, porém, a confederação foi surpreendida por um pedido:
– Iríamos fazer a transferência bancária. Mas o clube solicitou o pagamento do valor em espécie. Transferimos o valor para uma agência no Rio, sacamos e levamos ao clube – disse o presidente da CBRu, Sami Arap.
O pagamento foi feito quatro dias antes da realização do evento – no dia 6 de março. A CBRu, que fica em São Paulo, fez uma transferência de uma agência bancária paulista, sacou o dinheiro no Rio e o levou ao Flamengo. O profissional da confederação que levou a quantia ao clube recebeu, inicialmente, um recibo assinado por um gerente.
– Quando o meu pessoal foi fazer o pagamento, já havia um recibo pronto, assinado por um gerente do clube. Como não sabíamos se o gerente possuía poderes, pedimos que o recibo ou fosse assinado por um vice-presidente ou um diretor estatutário. Esse recibo consta na contabilidade da confederação – disse Arap.
O recibo em questão com data de 6 de março de 2012 (veja imagem acima) tem a assinatura do então vice-presidente do Fla-Gávea, Cacau Cotta, e indica que o Flamengo recebeu R$ 25 mil da CBR. O clube descobriu, porém, um outro recibo com a mesma data e valor, cujo favorecido é um ex-funcionário – Carlos Eduardo da Silva Almeida no que, aparentemente, seria sua conta pessoal. Este documento é assinado pelo ex-diretor executivo do Fla-Gávea, Renato Darlan, traz o número de uma agência do Bradesco (0887-7) em Ipanema e de uma conta (0065XXX-X) cujo titular é Carlos Eduardo da Silva Almeida e diz textualmente que o valor foi depositado na conta dele. Mas – apesar dos dois recibos – a contabilidade do clube não registrou a entrada do dinheiro. A assessoria do Flamengo confirmou oficialmente a informação de que o montante não entrou na conta do clube.
Carlos Eduardo, demitido em fevereiro fala em documento forjado
Carlos Eduardo da Silva Almeida, ou Cadu, o funcionário supostamente favorecido pelo depósito, foi demitido pelo Flamengo neste fevereiro de 2013. Sua demissão, inclusive, teria sido parte da crise que motivou a saída de José Carlos Dias da vice-presidência do Fla-Gávea. Cacau Cotta – que ocupava o mesmo cargo na gestão Patrícia Amorim – teria pedido a Dias pela permanência de Cadu – que teria ligações com ele desde a infância (teria sido criado no prédio onde Cacau morava). Dias não concordou e resolveu demiti-lo – no mesmo e-mail em que pedia a saída do gerente Clément Izard. A diretoria manteve Izard – o que fez Dias renunciar. Mas Cadu acabou saindo junto – o que teria levado Cacau a romper com Dias.
Conversamos com Carlos Eduardo. O ex-funcionário disse inicialmente que o recibo com seu nome era forjado. E que poderia provar que o dinheiro jamais entrou em sua conta.
– Eu não sei, isso foi uma calúnia, é um documento forjado, é xerox. No momento em que levaram isso, puxei a minha conta toda, não vi nenhum depósito de R$ 25 mil. Isso é mentira, tanto que isso é uma xerox, totalmente forjada, isso aí qualquer um faz no Paint (software para edição de imagens), qualquer programa faz. Eu puxei o extrato da minha conta que estava no recibo, não tem nada de R$ 25 mil. Eu tenho provas, é só puxar a minha conta toda e ver, como eu fiz na época. Totalmente mentira isso, tem como provar. Inclusive quem veio falar isso comigo foi o Clément. Posso te mandar o contrato, posso te mandar o recibo deles afirmando que pagaram lá no financeiro (do clube). Falei para o Clément que isso aí não tem problema nenhum.
Perguntado se poderia fornecer o recibo de pagamento direto na conta do clube, Cadu afirmou:
– Tenho, tenho, tenho… Tenho não, posso conseguir no clube. Posso enviar amanhã.
Um dia após esta primeira conversa, Carlos Eduardo mudou de ideia e disse que não poderia mais enviar o comprovante de que o dinheiro não entrou na sua conta. E acrescentou que foi demitido do clube por perseguição de Izard.
– Estou muito exposto, não quero falar mais. Eu não sei por que fui demitido, o Izard teve alguma implicância comigo. É uma pessoa totalmente arrogante. É uma questão de perseguição na verdade. Não sou primo do Cacau, conheço de outros tempos. O Clément nem falava comigo direito. Mas foi muito arrogante com o pessoal – disparou Cadu.
A reportagem procurou por Izard – mas ele não foi autorizado a falar pelo clube. Já Cacau Cotta disse que é natural pedir o pagamento em espécie:
– É natural pedir o pagamento em dinheiro vivo para agilizar. O clube é cheio de dívida. O Spanta Neném (bloco de carnaval que realiza ensaios na sede de remo do Rubro-Negro) também paga em dinheiro, por exemplo.
Renato Darlan, o ex-gerente do Fla-Gávea que assinou o recibo com o nome de Cadu como favorecido, afirmou que ocorreu um erro de procedimento.
– Foi aberta uma sindicância na época mas não encontraram nada. Todas as provas estavam bem apresentadas no jurídico e no financeiro. A grande verdade é que essa nova diretoria está se preocupando muito em encontrar erros do passado e nesse caso não vão encontrar, infelizmente para eles.
Darlan deu sua versão para a existência dos dois recibos:
– O Cacau nesse período estava viajando, eu estava respondendo por ele. Nós fizemos esse recibo, mas nem encaminhamos para a confederação, porque percebemos que era uma falha de procedimento. E aí a gente substituiu esse documento por esse assinado pelo Cacau de uma forma correta.
Questionado como isso seria possível se Cacau estava viajando, Darlan respondeu:
– Mas depois, posteriormente, a gente fez um outro. Tanto é que o pagamento foi feito depois desse recibo. Esse recibo assinado por mim é de data consideravelmente anterior ao outro.
A data dos dois recibos, no entanto, é a mesma – 6 de março de 2012. Ao ser informado disso, Darlan deu outra explicação:
– Os dois são 6 de março? Mas enfim, a gente verificou que o procedimento era errado e fez outro. Alguém pegou esse documento na mesa do Cadu e distribuiu. Ato falho, porque a gente já tinha cancelado esse e enviado o outro para o rúgbi. Inclusive já foram apresentadas as contas do garoto, que não tinha nada a ver com a situação. Foi um levantamento feito pelo Arthur Rocha, criador de caso número um do Flamengo, e que na oportunidade não conseguiu provar o que tinha alegado e ficou por isso mesmo.
A auditoria em curso no Flamengo está apurando o caso. Depois de confirmar oficialmente que os R$ 25 mil não entraram na contabilidade do clube, a assessoria informou também que nenhum dirigente vai se pronunciar sobre o caso até o fim do processo de apuração conduzido pela Ernst & Young – que deve terminar até o início de abril.
Coincidência: assalto com mesmo valor
Pouco mais de um mês depois dos recibos – no dia 10 de abril – aconteceu uma coincidência. Com informações fornecidas por um dirigente da gestão Patrícia Amorim, um assalto a um funcionário do clube. Dario Florentino Fernandes registrou uma ocorrência na 14ª DP dizendo que foi orientado a buscar R$ 25 mil na agência do Banco Itaú na Rua José Linhares, no bairro do Leblon. A ocorrência registra que Dario saiu da agência, pegou um táxi que andou por 550 metros até a Rua Fadel Fadel. Na Fadel Fadel, ele saltou para caminhar mais 100 metros até a portaria do clube. Antes disso foi abordado por um homem com uma pistola – que levou o dinheiro. Seguranças do clube ainda teriam tentado perseguir o assaltante que conseguiu fugir na garupa de uma moto que estava estacionada na Cobal (que fica na mesma rua).
Por telefone, Dario afirmou que foi ao banco a pedido da então presidente Patrícia Amorim e que o dinheiro que sacou no Itaú não era do Flamengo. A verba seria destinada a um projeto social que a Patrícia mantinha na sede da Gávea. Apenas o funcionário registrou a queixa. O clube não participou da ocorrência que atualmente está em suspenso (em outras palavras, a investigação não progrediu). Questionado sobre o motivo de não ter sido acompanhado por qualquer segurança para um saque de tamanho valor, Dario afirmou que não poderia falar mais por telefone e sugeriu um encontro ao vivo – que não foi autorizado pelo clube.
Três dias depois do assalto aconteceu outra coincidência: a contabilidade do clube acusou a entrada de algumas notas que comprovariam despesas de melhorias na sede social, somando exatamente R$ 25 mil.
Fonte: GE
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