Antes da bola rolar no Mineirão, as semelhanças entre a semifinal da Copa União de 1987 e a da Copa do Brasil 2014 são a ordem do mando de campo, o favoritismo inicial do Atlético-MG e a vantagem conquistada pelo Flamengo no Maracanã.
Agora é o Galo que tem a estrela solitária do confronto: Diego Tardelli, único titular da seleção brasileira em campo. Em 1987, o time mineiro era o melhor do campeonato, mas com perfil “operário”. Já o Flamengo dos veteranos Leandro, Edinho, Andrade, Zico, de Renato Gaúcho e dos jovens Jorginho, Leonardo, Zinho e Bebeto, que seriam campeões mundiais sete anos depois, era uma constelação. Mas que só estava na semifinal pelo regulamento esdrúxulo que não classificou diretamente o campeão dos dois turnos do grupo ou obrigou o confronto ao menos com o segundo melhor colocado nas duas fases – o Grêmio do jovem técnico Luiz Felipe Scolari. Entrou o vice do returno.
Logo o rubro-negro comandado por Carlinhos, em sua primeira experiência como treinador efetivo, que cresceu na reta final e na ida acabou com a invencibilidade da equipe de Telê Santana, invertendo a vantagem de um ponto. Gol de Bebeto, em jogada de Jorginho e Zico. Depois de amplo domínio mineiro no velho Maracanã lotado com 118 mil pagantes, com o veloz ponteiro Sergio Araújo e o técnico meia Marquinhos desperdiçando grandes oportunidades à frente de Zé Carlos e perdendo a chance de garantir diretamente a vaga na final contra Internacional ou Cruzeiro.
Para a volta, alguns trunfos a favor do Galo: o retrospecto de seis vitórias e dois empates no Mineirão, inclusive o 1 a 1 com o Cruzeiro; ter eliminado o próprio Flamengo num “mata-mata” no ano anterior – oitavas-de-final do Brasileiro, empate em 1 a 1 no Maracanã e vitória atleticana por 1 a 0, gol de Nelinho, em casa.
Principalmente a dúvida no rival: Zico, com fortes dores no joelho direito, estaria ou não em campo? Apesar dos 34 anos e das seguidas lesões, ainda por conta da entrada criminosa de Marcio Nunes contra o Bangu dois anos antes, era o camisa dez quem fazia o time jogar.
No 4-3-1-2 armado por Carlinhos, o Galinho articulava lançando Bebeto ou Renato, acionando Ailton e Zinho para correrem por ele e fazerem duplas com os laterais Jorginho e Leonardo. Marcando, atacando e protegendo Leandro, Edinho e Andrade, ainda excelentes tecnicamente, porém lentos pelo passar do tempo. No jogo decisivo, Zico seria ainda mais fundamental pela liderança de capitão e pelo temor que provocava nos adversários.
Também por não ter um substituto ao menos com características parecidas: Henágio era rápido, Flávio um volante e Kita centroavante, com a opção do recuo de Bebeto. Todos limitados e sem perfil de armador. Ter Zico era essencial. Na terça-feira, ele estava praticamente vetado pelo departamento médico.
Na noite seguinte, 2 de dezembro, apareceu em campo para esfriar a pressão inicial do Atlético, com chute perigoso de Marquinhos Carioca, iniciar a jogada com incrível liberdade e marcar de cabeça aos 22 minutos. No lance, Bebeto empurrou Paulo Roberto antes de cruzar da direita na cabeça do Galinho.
Zico e Bebeto partem com incrível liberdade e espaços às costas da defesa atleticana para criar a jogada
do primeiro gol do Flamengo.
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Apesar da irregularidade no gol sofrido, estava claro que o time da casa entrou em campo preparado apenas para atacar. A equipe organizada no típico 4-4-2 da época, que marcava pela esquerda com Paulo Roberto e Marquinhos Carioca e voava à direita com Chiquinho e Sergio Araújo. Vencera tantos jogos aproveitando os erros dos adversários e matando nos contragolpes armados por Marquinhos e concluídos por Renato “Pé Murcho”, entrou com fúria demais e inteligência a menos para quem precisava apenas da vitória por qualquer placar – bem mais simples que o cenário de 2014.
Deixar espaços para um Flamengo com vários jogadores talentosos e acostumados a partidas decisivas cobrou seu preço novamente quando Zico, de novo sem marcação, lançou Renato Gaúcho livre. O atacante cruzou rasteiro e Bebeto ganhou de Batista e finalizou, com a bola ainda batendo no zagueiro atleticano e saindo do alcance de João Leite. 2 a 0.
Flamengo no 4-3-1-2 com Zico jogando com incrível liberdade; Atlético-MG no típico 4-4-2 da época, forte pela
direita, mas com defesa escancarada.
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Tudo ficou ainda mais favorável para os rubro-negros quando torcedores do Galo invadiram o campo e agrediram o lateral Leandro Silva, substituto do suspenso Jorginho. Oito minutos de paralisação. Na volta, Paulo Roberto deu uma voadora em Zico e foi expulso por Dulcídio Wanderlei Boschilia.
Com domínio técnico, tático e psicológico, o Flamengo teve duas chances de resolver a semifinal nos primeiros quinze minutos da segunda etapa. Sempre com Zico às costas do meio-campo adversário, no centro e principalmente pelos lados do campo. Lançou Bebeto, que ganhou do fraco Batista e chutou em cima de João Leite. No rebote, Renato tentou por cobertura, mas o goleiro se recuperou. Depois o Galinho fez jogada espetacular, como autêntico ponta esquerda, e serviu Aílton, que bateu muito mal.
Na volta, a punição: pênalti de Edinho em Renato “Pé Murcho” convertido por Chiquinho. O Mineirão com quase 85 mil pagantes e o time da casa despertaram. Com o zagueiro João Pedro no lugar de Marquinhos, Luisinho, zagueiro da seleção brasileira de 1982 que pensava o jogo de trás, foi para a lateral esquerda. Mas o caminho era mesmo pela direita. De Chiquinho para Sergio Araújo, que passou como quis por Edinho e Leonardo e bateu forte para conseguir um empate improvável. De quem nunca deixou de acreditar.
Carlinhos reforçou a marcação com Flávio na vaga de Bebeto e tentou recuperar velocidade com Henágio no lugar do extenuado e sacrificado Zico, que na saída de campo foi taxativo: “Podíamos ter definido o jogo, agora é sufoco!” Sofrimento do time que nunca abdicou do ataque, mas desperdiçou chances de resolver a partida e a semifinal.
Não a última. Renato Gaúcho, cansado e isolado na frente, surpreendeu com arrancada no fôlego que saiu da alma. Limpou João Pedro, o goleiro João Leite e definiu o clássico interestadual de maior rivalidade do país. Eliminando o time do à época desafeto Telê Santana, que o cortou da seleção brasileira para a Copa do Mundo de 1986. O Fla partia para a final contra o Internacional que daria o título da até hoje polêmica Copa União.
Atlético-MG com Luisinho no meio-campo e pressionando, mesmo com dez homens; Fla acuado sem Zico
e Bebeto, mas Renato Gaúcho decidiu no contragolpe.
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Jogaço histórico – que você assiste na íntegra no vídeo abaixo – e uma boa lembrança para os rubro-negros que vão a Belo Horizonte com vantagem, mas também dúvidas e, provavelmente, desfalques – Leonardo Moura, Everton, Gabriel, Luis Antonio estão lesionados. Mesmo sem os craques de 1987, Vanderlei Luxemburgo não deve abrir mão do ataque para administrar vantagem. Até pelo gol “qualificado” fora de casa.
Ao Galo resta ser bravo como há quase 27 anos. Com a mesma fibra e intensidade em sintonia com a massa, mas sem a irresponsabilidade tática que destruiu o time sólido que dominava o campeonato. As viradas na Libertadores do ano passado e os 4 a 1 sobre o Corinthians são referências bem mais inspiradoras para buscar outro feito épico.
Palpite do blog? Na emoção de outro jogo eletrizante, mas também na força que o Flamengo costuma tirar sabe-se lá de onde em partidas decisivas. Assim como no ano passado, é time limitado que vai se agigantando. Favorito natural para chegar à sexta decisão da Copa do Brasil.
Fonte: Olho Tático