O título é um pouco apelativo, usando um bordão humorístico, mas tem sua razão de ser. Embora esse texto fale do Clube de Regatas do Flamengo, ele é válido para todos os demais participantes da Série A. E também da B, da C, da D… Torcedores aparecerão para dizer que seu time, seu clube, está bem melhor, não tem dívidas, é um caso à parte. Não chega a ser verdade, estará longe de ser mentira. Será, digamos, uma meia verdade. Porque a situação não é boa para a totalidade e não somente para alguns. Se bem que, para esses alguns, a situação é crítica.
Tá ruim? Para o futebol sim, para o Flamengo não.
A situação do Flamengo no conjunto atual de nosso futebol não é mais das piores, digamos que deixou a categoria “péssima”, mas para o torcedor ela vai muito além de péssima. Porque o torcedor rubro-negro, como todos os demais, quer título. Um ou dois ou três ou quatro por ano e, claramente, não importa a que custo. Se não vier título por um ano, ok, bola pra frente. Por dois anos… O clima começa a pesar. Três anos sem título é sinal de crise. E por aí vai. Assim é o torcedor brasileiro e nesse ponto ele difere muito dos seus iguais europeus. É comum vermos times de grandes clubes, com grandes torcidas, passarem por seca de títulos por mais de cinco anos, por mais de dez anos e, mesmo assim, a vida continua, sem que cabeças rolem guilhotinadas cruelmente.
Penso que nos dias de hoje, quando fazemos a travessia do 14º ano do 21º século DC (Depois de Cristo), a primeira e mais importante função de um grupo dirigente de um clube é mantê-lo vivo e saudável. Por saudável, entenda-se a sua situação econômico-financeira e sua estrutura. Ganhar “tudo” em campo é missão secundária, é objetivo que vem depois da saúde. Digamos assim: de que adianta ganhar uma bolada na loteria se o ganhador está com a saúde totalmente detonada por uma vida desregrada e hábitos abusivos? De que adiantará o grande prêmio da loteria para quem vê seu horizonte estreitar-se inapelavelmente? O dinheiro permitirá novos médicos e hospitais e um prolongamento da agonia? Talvez sim, mas com prazo de validade e cada vez mais curto.
Essa foi a missão que o presidente do Flamengo e seus companheiros de chapa adotaram: salvar, literalmente, o clube. Voltar a dar-lhe condições de vida sustentável, até saneá-lo financeiramente por completo. Uma missão árdua e já proclamada muitas vezes por muitos dirigentes em muitos clubes. Acostumado com as promessas fáceis de coisas difíceis, não dei muita bola a elas, inicialmente. Lembro-me de ter criticado duramente a chegada do recém-contratado gerente de futebol, que em seu primeiro contato com a imprensa soltou a pérola de que “clube vive de título” e ele ali estava para “botar faixa no peito”. Semanas depois, entretanto, Bandeira de Mello mostrou com total clareza como seria sua gestão, ao não contratar Vagner Love e, na prática, abrir mão de seu trabalho. Ali eu entendi que a promessa de ajuste era séria e para isso músculos e carne seriam cortados, não somente gorduras e gordurinhas.
Redobrei meu interesse pelas ações dessa direção e alguns posts a respeito apareceram nesse OCE, nem sempre elogiosos. Enquanto fazia um bom trabalho na área econômico-financeira, podendo até ser chamado de excelente, algumas barbeiragens foram cometidas na condução do futebol. Dispensas e contratações de treinadores… A imperdoável bobagem com a escalação de André Santos sem ter condições de jogo, e que somente por mero acaso não levou o clube a ser rebaixado… A dispensa-não-dispensa-sob-pressão-de-“organizados” do mesmo André Santos, uma brecha terrível no comando, em minha opinião… A contratação de Carlos Eduardo, um jogador que nada ou muito pouco prometia para quem acompanhou, ainda que de longe, sua performance na Europa, entre outras. Erros comuns, alguns deles típicos de dirigentes pouco afeitos à malandragem tradicional de nosso futebol.
O mais importante na vida do clube, porém, acontecia e segue acontecendo fora de campo. Uma boa prova disso é a análise específica do Flamengo dentro do estudo feito pelos profissionais do Banco Itaú BBA e que esse OCE vem reproduzindo de forma quase integral. Desse relatório, destaco esse trecho, já no final do comentário sobre os números mostrados no estudo:
“O Flamengo está no caminho certo, mesmo que isto signifique alguns anos longe dos títulos, o que afinal vinha ocorrendo antes mesmo desta reorganização do clube. O difícil é domar a torcida, porque haverá oscilações e riscos no meio do caminho. O Flamengo fez a coisa certa.”
É importante destacar que essa é a visão, é a conclusão, a que chegaram profissionais do mercado financeiro a partir da análise apenas dos balanços do clube (balanços que hoje são mais completos e mais transparentes, também). Eu também procuro seguir a mesma linha e, mesmo tendo conhecido o presidente Bandeira de Mello e alguns diretores, prefiro falar do clube a partir do que os documentos oficiais mostram e do que leio na imprensa sobre as ações executadas no âmbito do futebol.
Segundo os autores do estudo, o clube teve uma geração de caixa 36% maior em 2013, atingindo R$ 75 milhões e, sempre pelos dados do balanço, conseguiu pagar R$ 137 milhões em impostos e fornecedores atrasados. Um feito maior e mais importante que comemorar um título.
É nesse cenário positivo, apesar dos burburinhos provocados pela campanha do time no Campeonato Brasileiro (além da eliminação precoce na Copa Libertadores), que devemos encaixar a leitura da excelente entrevista com Bandeira de Mello, feita pelo pessoal do portal GloboEsporte (Vicente Seda e Sofia Miranda – leia aqui). A situação política interna continua complicada para a atual gestão, não na relação com os conselhos, mas pela oposição sistemática de grupos políticos fora do poder, encabeçada por ex-presidentes que, curiosamente (ou não…), foram os responsáveis por levar o clube à situação problemática de hoje.
Muitos se assustam com adiantamentos de cotas e novas dívidas, mas é importante ter em vista justamente o que diz o presidente nessa entrevista: dever em si não é ruim, dependendo do patrimônio, receita e retorno, como também é sempre bom trocar uma dívida cara por uma mais barata ou menos cara e, naturalmente, com prazos mais longos, que se casam com receitas futuras igualmente maiores (quando já acertadas).
Segundo Bandeira, nesse ano já foram pagos mais de R$ 120 milhões de dívidas e ainda faltam 3 meses para o fechamento do ano. Isso indica que o clube deverá pelo menos repetir a boa performance contábil de 2013, se não melhorá-la um pouco.
Outro ponto importante: manter os tributos correntes e os negociados em dia é fundamental para a preservação das CNDs – Certidões Negativas de Débito. Sem elas o dinheiro do maior patrocinador, uma empresa estatal, não entra no caixa.
Como não se pode ter tudo ao mesmo tempo, é claro que sobra para o time de futebol. E não há como não sobrar, é o que a torcida precisa entender.
Penso que essa situação tomará mais alguns anos de sacrifícios para chegar a bom termo ou bons números. O presidente rubro-negro manifesta algum otimismo para 2016, ano em que entrará em vigor o novo contrato de direitos de transmissão, mas pelo que vejo ela irá um pouco mais longe. Acredito que, salvo eventos extraordinários, imprevistos, o clube poderá voltar a investir de fato no futebol por volta de 2018, sem fazer loucuras.
Tá ruim? Para o futebol sim, para o clube não.
Para o clube está ótimo.
Penúria em 2015
Sem querer estragar o final de semana de ninguém, mas sou obrigado a fechar esse post com uma declaração de Eduardo Bandeira de Mello:
“…2015, vai ser um ano de extrema penúria para boa parte dos clubes brasileiros.”
Assino embaixo, infelizmente.
Fonte: Olhar Crônico
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