República Paz e Amor – O Flamengo transcende os limites do racional. Ele derruba certezas. Vive na contramão das probabilidades. O Flamengo meus amigos, pode causar ou gerar todos os tipos de sentimentos, menos o da indiferença. Ele é o avesso, do avesso, do avesso, do avesso. Lawerence Tarr tem 31 anos, trabalha como garçom no Mamba Point Hotel. Laura Lima tem 35 anos, é do Rio e de Natal, diz que é potioca, mas mora em Bruxelas e trabalha na ONU com programas especiais “for the urban poor”. Foi pra Monrovia, capital da Libéria, implementar o programa por lá. Fazendo esse meio de campo, meu amigo Renato Motta, carioca rubro-negro que mora em Recife: “Vivi achei essa história a sua cara. Aproveita que a Laura está online. Conversa com ela.” E eu, como um Cirino inspirado, aproveitei.
Libéria, Laura? Oficialmente República (opa) da Libéria, presidencialista, localizada na África Ocidental. Faz fronteira ao norte com a Serra Leoa e Guiné, a leste com a Costa do Marfim e a sul e oeste com o Oceano Atlântico. Mas eu só lembrava das duas guerras civis e de um relato de uma freira, feito à BBC Brasil, que eu tinha lido e me impressionado por conta da epidemia de ebola na região, em 2014: “É pior que a guerra. Porque na guerra pelo menos você podia abraçar as pessoas, consolá-las. Agora são só palavras e lágrimas, não podemos nos tocar, é muito triste. Durante a guerra, a gente fugia de um lado para o outro para se defender, mas com o ebola não tinha para onde fugir, pois estava em todo o lugar.” E eu que adoro abraçar, me emocionei. Imaginei gol do Flamengo, encontro com amigos rubro-negros, ídolos, comemoração de títulos, amores. Tudo isso sem abraço. E chorei por eles.
Ainda não estava acreditando que o Flamengo pudesse chegar até a Libéria. Pela pobreza. Pelas guerras. Pela epidemia. Mas a Laura Lima com seu trabalho incrível chegou: “Estava no hotel e Tarr me viu com uma camiseta do Brasil. No fim do dia ele se aproximou e perguntou se eu era brasileira. Depois quis saber para que time eu torcia. Quando respondi ‘Liverpool na Europa’, Tarr declarou imediatamente: “mas no Brasil, sou flamengo”. Isso posto, achei que minha camisa do Flamengo que estava na mala, veio de Bruxelas com destino certo. Ele pediu para ensiná-lo a dizer o lema “Uma vez Flamengo, Sempre Flamengo”. Eu poderia parar de contar essa história por aqui. Essa cena me bastou. Mas a Laurinha (eu já queria abraçá-la) pegou seu Manto Sagrado que leva todas as vezes que sai em missão, e deu de presente para o Tarr: “Você precisava ver o sorriso e a alegria dele. E para o que esse povo passou e ainda passa, sorrir é quase um milagre.” E o Tarr sorriu. Pelo Flamengo. Para o Flamengo.
A história não poderia acabar aqui. Troquei algumas mensagens com a Laura, com o cuidado de não atrapalhá-la, pois o trabalho exigia muito dela: “Olha, eu já trabalhei (e morei) em favelas na América Latina e na África (Quênia, Moçambique, Angola, África do Sul), e nunca tinha visto nada desse tipo. West Point á a favela que ficou sob quarentena, com a polícia impedindo a entrada e a saída das pessoas. Não dá pra querer viver. E a gente vê aquele povo, resiliente, levando a vida adiante” (depois dessa ida A West Point ela me contou que tinha passado o dia inteiro sem conseguir comer nada, por conta das cenas que tinha visto). Solidária ao projeto da Laura, emocionada de novo com as dores daquela gente sofrida, pensei: Povo resiliente? Que leva a vida adiante? Mais FLAMENGO impossível. E aproveitando do carinho rubro-negro dela pude mandar umas perguntas para o Tarr, que ela fez pessoalmente. Que relação era essa da Libéria com Futebol? E como o Flamengo descobriu o Tarr ou o Tarr descobriu o Flamengo? A gente nunca sabe, apesar das nossas histórias familiares, das nossas vidas, se nascemos Flamengo ou se o Flamengo nasceu na gente.
Lá na Monrovia tem muitas casas de apostas de futebol. Eles apostam no futebol do mundo inteiro. Os resultados são escritos na parede. E isso sem muita televisão na cidade para acompanhar os jogos. No hotel que a Laurinha ficou, o melhor da região, não tinha. As casas de apostas também não. Logo, o NOSSO Tarr começou a acompanhar o futebol por essas casas e seus respectivos resultados. Sim, resultados. Eles não tem como ver os jogos. Apenas tomam conhecimento dos resultados. Nesse momento eu não sabia se ria, se chorava, se tremia, ou se imaginava a realidade do Tarr. Uma coisa eu já tinha certeza, mas, quis confirmar: Por qual motivo o Tarr escolheu torcer pelo Flamengo? “Ele disse que era flamenguista por um simples fato: O FLAMENGO SEMPRE GANHA.” Tive um orgasmo múltiplo. Sério. Dei gritos de prazer. “Ele apenas afirmou que acompanhava o time que ele via que tinha mais vitória. Por falar nisso, no dia que eu fiz as perguntas para ele, ele me disse que no dia anterior o Flamengo tinha ganhado de goleada de um time menor (olhei na internet e vi que era o Cabofriense)”, me informou a Laura.
Tarr mora com a família. Nove pessoas em casa. É o único que tem um emprego formal (a taxa de emprego em Libéria é de 4%). As demais pessoas trabalham na informalidade (muita gente vendendo o que pode, ou comida, roupa, etc). O Tarr faz faculdade de administração (“isso, aliado ao trabalho que ele tem, me leva a crer que ele é da ‘classe média’ de lá”, completou Laurinha). Mas, a essa altura eu só pensava nessas “apostas no Flamengo”. Em relação aos jogadores ele disse que “SÓ” conhecia o ZICO e que sabia que ele tinha jogado no Japão. Tarr sonha em vir para o Brasil trabalhar e terminar a faculdade. Não é tarefa fácil. A Laura, bom, a Laura “é Flamengo desde que se entende por gente”, filha de botafoguense, mas que sempre amou o Zico. Tem um marido e uma enteada belgas, que dizem ser mais Flamengo que ela! São da região norte, dos Flanders. E vocês que estudaram bastante sabem que por lá eles falam o FLAMENGO! Eles nasceram Flamengo. Eu disse que era complicado descobrir se nascemos Flamengo ou se o Flamengo nasce na gente. Eu disse. Ela tem uma camisa autografada pelo Zico, “mas fica no vidro e ninguém toca.” Dessas histórias “flamengas”, algumas certezas.
1) Preciso providenciar um novo manto sagrado para a próxima missão da Laurinha.
2) O Flamengo tem agora a obrigação de vencer, vencer e vencer PRA SEMPRE para o Tarr se dar sempre bem nas apostas.
3) O Mario Quintana que me perdoe, mas eu vou subverter a ordem de um poema que ele fez “pra mim” [“Se tu me amas, ama-me baixinho. Não o grites de cima dos telhados. Deixa em paz os passarinhos”] e assim que terminar esse texto, subirei no telhado aqui do meu Castelo, pra espantar os passarinhos com um grito de: Flamengo, EU TE AMOOOOOOOOOOO.
Para Laurinha, Tarr e todos os apostadores da Libéria: Paz, Saúde, SORTE (no jogo) & Amor.
Vivi Mariano
Muito legal o texto Parabéns
Gostei da matéria e quería dizer que não é so longe que existem flamenguista. Eu sou uruguaio, time do coração? Obviamente Flamengo so Flamengo. Os própios torcedores do Flamengo no Brasil não acreditam que exista tanta gente fora que goste desse grande time. Não devería ser uma surpresa, o Flamengo é e sempre será um time mundial. Una vez Flamengo, sempre Flamengo…