O cenário para o time de maior torcida no Brasil é sombrio. A diretoria que tem como prioridade uma gestão financeira responsável não consegue sanar as dívidas de um clube que sofre pela seqüência de administrações inconsequentes. Sem loucuras, o poder de investimento é pequeno, mesmo com maior receita de TV.
As decisões no futebol também têm sido trágicas. Especialmente as que marcaram todo o processo da mudança de treinador. Jayme de Almeida, que tinha sua cota de responsabilidade na campanha ruim na Libertadores, saiu de cena como o injustiçado. Ney Franco, que entregara o time na zona do rebaixamento em 2007, chegou cercado de incertezas e com a imagem arranhada por supostamente ter negociado com o clube tendo um colega ainda no cargo. A troca do diretor executivo de futebol deixou tudo ainda mais incerto.
Reflexo imediato no campo. O Flamengo não conseguiu repor minimamente a perda de Elias, abrindo uma cratera no meio-campo que Márcio Araújo, Elano, Everton e Luiz Antonio não cobriram. Paulinho, o desafogo com dribles e velocidade, caiu de produção sem a seqüência de jogos por seguidas lesões. O mesmo com Hernane, artilheiro iluminado em 2013.
Time desajustado e abalado emocionalmente. Provavelmente com elenco rachado. Bem distante da equipe campeã da Copa do Brasil que muitas vezes entregou mais que 100% do que poderia. Com isso, um problema que antes era compensado ou causava prejuízos menores explodiu o sistema defensivo em um “efeito dominó”.
Leonardo Moura e André Santos são laterais apoiadores. Ou alas. Já tiveram fases em que fecharam seus setores com mais aplicação. Porém nunca foram defensores na acepção da palavra.
Quais são as atribuições defensivas dos laterais? Basicamente, guardar o seu setor com posicionamento fechando o caminho para a linha de fundo ou no combate direto contra o lateral ou ponta adversário. Se a jogada for criada pelo lado oposto, fazer a diagonal de cobertura por dentro e ficar atento à inversão da bola para o atacante não concluir na segunda trave.
Léo Moura e André Santos poucas vezes em suas carreiras conseguiram cumprir bem essas funções. Na maior parte do tempo, tinham zagueiros e/ou volantes para cobri-los. Por isso não tiveram trajetórias consistentes na seleção brasileira.
O tempo passou para ambos. O primeiro com 35, o outro 31. O futebol também evoluiu. Hoje aproveita mais os espaços vazios, especialmente pelos lados com meias ou atacantes abertos. A transição ofensiva é mais rápida e quase sempre as jogadas são iniciadas por um flanco e finalizadas no outro.
Com isso, cria-se uma espécie de reação em cadeia que desequilibra a equipe. A seleção brasileira na Copa do Mundo é bom exemplo. Para proteger Daniel Alves, depois Maicon, e Marcelo, os zagueiros Thiago Silva e David Luiz abriam para fazer a cobertura e Luiz Gustavo recuava fechando o centro. Além disso, Oscar e Hulk foram fixados pelas pontas para ajudar na marcação. Resultado: buraco no meio-campo, pouca mobilidade e dependência ainda maior de Neymar. Fracasso.
No Fla, Ney Franco tentou minimizar os estragos no retorno do Brasileiro contra o Atlético-PR, após um mês de treinamentos, com a solução óbvia: três zagueiros. Wallace, Chicão e Samir para proteger os laterais que não marcam. Não tornou a defesa mais sólida e ainda abriu o meio-campo.
Flagrante com três zagueiros: André Santos perdeu na velocidade e Léo Moura chega atrasado em contragolpe.
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Não funciona porque o trio não cobre todos os espaços na última linha. Basta observar que na Copa do Mundo todas as seleções que utilizaram este sistema plantavam os alas como laterais na última linha, formando um quinteto. Marcando por zona, como a Costa Rica, ou encaixando com os ponteiros, como a Holanda. Deixar buracos nas laterais do campo defensivo é tudo que o adversário quer para dar profundidade às ações de ataque.
Flagrante da Holanda com laterais alinhados aos três zagueiros negando espaços pelos flancos contra o Chile.
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Na derrota por 4 a 0 para o Internacional, mais uma tentativa: Leonardo Moura no meio e Marcio Araújo na lateral. Duas improvisações. Ambos não renderam e o problema persistiu. Basta ver o terceiro gol colorado, marcado por Fabrício. D’Alessandro tem total liberdade para fazer o cruzamento e o lateral esquerdo, também solto, finaliza. Nem a desvantagem numérica pela expulsão de Chicão justifica a retaguarda tão mal colocada.
Terceiro gol do Inter: liberdade para D’Alessandro cruzar da direita e Fabrício concluir do lado oposto.
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O time campeão da Copa do Brasil tinha Wallace, Samir e Amaral rápidos na cobertura e Luiz Antonio e Paulinho sacrificados, correndo de uma linha de fundo à outra. No meio, o onipresente Elias marcava, armava e finalizava. Funcionou no “mata-mata”, com muita concentração e entrega. No campeonato de 38 rodadas quase terminou em rebaixamento. Agora a última colocação.
Agredir André Santos na saída do estádio não adianta. É preciso buscar no mercado ou na base laterais que defendam e ataquem com a mesma eficiência. Também ajustar uma equipe que possa prescindir da experiência e da qualidade técnica da dupla veterana. Mesmo em nítido declínio físico.
Não é fácil. Ainda mais com tantas outras coisas a corrigir. O Flamengo segue à deriva, sem rumo. E não há sinal de luz. Apesar da lanterna na mão.
Fonte: Olho Tático