Fonte: Olhar Crônico Esportivo
“Não sabia que o Brasil era exceção, onde os árbitros são intocáveis.”
Essa frase é de Juan Carlos Osorio, colombiano, treinador do São Paulo, profissional com excelente currículo e, pelo pouco que pude ver, bom no que faz. Nem por isso, entretanto, concordo com sua frase.
A mesma queixa vem se repetindo desde o início desse Brasileirão, proferida por torcedores, jogadores, treinadores, dirigentes e muitos jornalistas de todos os meios, dos mais variados veículos.
Todos criticando o que chamam de intocabilidade de nossos árbitros e o rigor com que eles vêm usando e abusando dos cartões amarelo e vermelho, como se isso fosse um crime de lesa-majestade, como se fosse uma afronta gravíssima aos direitos humanos e à prática esportiva.
Concordo com os críticos: os árbitros estão mesmo exagerando no uso do amarelinho e do vermelhão.
Concordo muito mais, porém, com os árbitros e com a Comissão de Arbitragem: têm que pegar pesado, mesmo. Têm que, eventualmente, até “abusar” dos cartões.
Por quê?
Porque nossos jogos eram marcados, quase todos, pelas cenas dos grupos de jogadores em cima do árbitro, peitando o árbitro, botando dedos na cara do árbitro, quase enfiando indicadores nos narizes dos juízes. Não somente isso, mas também as verdadeiras representações teatrais de jogadores protestando com tremenda veemência gestual, agitando os braços enlouquecidamente, como aqueles bonecos infláveis que vez ou outra colocam em frente a lojas com promoção, dançando enlouquecidamente ao sabor dos ventos artificiais, criadas pelo ventilador.
Ora, chega disso! Até para palhaçadas e palhaçadinhas tem que haver um limite, ditado por um mínimo de bom senso, bom gosto e respeito às decisões da arbitragem.
Nos mesmos jogos em que jogadores ou treinadores dizem que foram “proibidos” de conversar com o árbitro, vejo jogadores do mesmo time reclamando por causa de uma marcação sem o menor problema. A diferença é que são reclamações comedidas, feitas de forma civilizada, sem afetar a autoridade ou provocar a ira do público contra o árbitro.
Tem havido mesmo um certo exagero nos cartões, mas ele tem sido didático. Toda vez que penso nisso recordo a introdução da lei que tornou obrigatório o uso do cinto de segurança nos automóveis. A chiadeira a princípio foi enorme, com muita gente, inclusive, fazendo enormes dissertações tentando provar que usar o cinto não aumentaria a segurança e que em muitos casos era até contraindicado. E a maior reclamação era dirigida às multas que os policiais aplicavam aos motoristas que não usavam o cinto. Lentamente, e muito graças às multas, o uso do cinto tornou-se um hábito, seu uso não é mais contestado e trouxe contribuições reais para a segurança de motoristas e passageiros.
Lentamente, como parte de um processo de aprendizado e mudança de hábitos há muito arraigados firmemente, jogadores e treinadores vão tomando consciência que é necessário respeitar a arbitragem e, entre outras coisas, parar de “jogar pra galera”, muitos até usando falsas reclamações para justificar uma perda de bola, uma jogada mal feita.
O grande número inicial de cartões por reclamações tende a diminuir. As reclamações e conversas com o juiz jamais deixarão de existir, nem é esse o propósito, mas perderão a violência visual e verbal com que nos acostumamos e as partidas fluirão um pouco melhor, como já vem ocorrendo. O juiz apitou. Ponto. Raríssimas vezes ele irá anular sua decisão. Apesar disso, o jogador fica à sua volta, reclamando sem parar, ignorando o pedido do árbitro. Aí toma o amarelo e o mundo desaba… sobre o árbitro, jamais sobre o jogador reclamão. Transcrevo, como exemplo, trecho do relatório do árbitro André Luiz de Freitas Castro, sobre o cartão vermelho aplicado a Lisandro López, do Internacional:
“Ficou em minha volta reclamando de maneira acintosa sobre minhas decisões. Após solicitar que o mesmo saísse de minha volta, o referido prosseguiu (sic) com suas reclamações dizendo as seguintes palavras: “não foi nada, não foi para cartão amarelo, não fiz nada, por que você fez isso?”
Ora, pílulas, o juiz ouviu, ouviu, pediu que o jogador saísse de perto dele e permitisse a retomada do jogo e nada. Aí aplica o cartão vermelho e o mundo desaba sobre o árbitro.
Por essa parte o nosso futebol melhorará. Caberá aos reais protagonistas, os jogadores, fazerem sua parte e jogarem melhor.
Enquanto isso, o que vemos é que ao aumento da intocabilidade do árbitro correspondeu uma maior agradabilidade dos jogos. O que não é coincidência. Deixemos, então, os árbitros trabalharem. Não há progresso sem dor, não há civilização sem punição. Ou, muito adequado ao Brasil de hoje, não existe almoço grátis.