O primeiro contato foi de longe, meio por acaso, após uma manhã de treino na Gávea, apenas cinco semanas depois de desembarcar no Rio de Janeiro para defender o time de basquete do Flamengo. Jerome Meyinsse ainda não sabia, mas aquele inusitado encontro em setembro de 2013, em Copacabana, mais precisamente na Rua Siqueira Campos, mudaria para sempre sua vida. Foi amor à primeira colherada. Literalmente. Nem loira nem morena, tampouco ruiva ou negra. Pode até parecer estranho, mas quem adoçou o coração do gigante americano de 26 anos e 2,08m, que criou até uma torcida organizada em homenagem à sua nova paixão, não foi nenhuma musa carioca, e sim o açaí.
– Eu via as pessoas pedindo aquela coisa roxa e primeiro achei estranho. Achei parecido com uva ou algo como jabuticaba, mas nunca tinha provado e nem sabia qual era o gosto. Depois de duas semanas só olhando as pessoas consumindo, fui a uma loja e mesmo sem saber o nome disse que queria um. Comprei, provei e na primeira vez já gostei muito. Me deu muita alegria, mudei minha vida e percebi que estava pronto para tomar todos os dias (risos) – lembrou Meyinsse, às gargalhadas.
A tara do pivô americano pela iguaria típica de uma palmeira amazônica não tem limites e tem sido medida em grandes proporções. A caminho de sua terceira temporada no Brasil, o bicampeão do NBB aproveitou uma brecha na pré-temporada do Flamengo e aceitou o convite do GloboEsporte.com para visitar uma lanchonete especializada em açaí na Zona Sul e um restaurante de um chef carioca amante da fruta rica em proteínas, fibras, lipídios e excelente fonte das vitaminas C, B1 e B2 no centro da cidade.
Depois de limpar a tigela na primeira parada e devorar um requintado ceviche de vieiras preparado por Ricardo Lapeyre, filho do renomado chef francês Claude Lapeyre e rubro-negro roxo, na segunda, Jerome descobriu que seu “grande amor”, como ele próprio se refere à fruta tipicamente brasileira, pode ser consumido de várias maneiras. Seja na copo ou na tigela, como ele consome cerca de um litro diariamente, ou até mesmo num prato salgado, como provou sob os holofotes de uma equipe de reportagem.
“Grandão”, como ele mesmo se apelidou desde que vestiu a camisa 55 do Flamengo pela primeira vez, resistiu à pressão. De barriga cheia, o pivô que registrou médias de 10.7 pontos, 5.4 rebotes e 0.8 assistências nas 39 partidas disputadas na temporada passada do NBB, não se incomoda com o teor calórico da fruta e muito menos com os horários de consumo. Sempre que dá vontade, ele manda para dentro sem cerimônias.
– Meu agente disse que era um alimento muito pesado e que era para eu ter cuidado e não tomar antes do treino. Mas quando ele me falou isso já estava tomando há muito tempo, e sempre deu certo. Tomo a qualquer hora, às 6h ou 1h da manhã, não importa. Nunca me deu problema. O máximo que consumi eu não sei, mas quando fui para Natal no ano passado assistir a partida entre Estados Unidos e Gana pela Copa do Mundo achei uma loja que servia por quilo. Tentaram colocar o máximo possível numa tigela, acho que mais de dois litros. Me senti muito cheio e quase passei mal (risos) – contou o americano, que tinha Nico Laprovittola como seu parceiro gastronômico ideal.
Sem seu antigo “comparsa”, Meyinsse já começou a procurar no elenco um substituto à altura do argentino. Recém-contratado, o ala americano Jason Robinson é um dos favoritos a se entupir da fruta. Mas enquanto não testa o calouro, que em pouco tempo de Brasil já conhece a fama do futuro parceiro, o pivô do Flamengo encontrou uma saída rápida e criativa para não ficar com a tigela na mão: criou a Flaçaí:
– A torcida (organizada) começou com um sorteio depois que ganhei alguns ingressos para ir ao Maracanã. Resolvi pedir que as pessoas tirassem uma foto com o açaí na mão e a camisa do Flamengo. A preferência era que fosse com aquele tradicional bigode do açaí, mas não era obrigatório. Das 26 fotos que recebi, 20 foram com o bigode. Eu ri tanto que quis levar todo mundo para o jogo e comprei os outros ingressos. Criei uma bandeira e tirei uma foto com o bigode pela primeira vez também. Ainda não pensei nas regras da torcida e não vou vetar ninguém, mas acho pelo menos tem que gostar de açaí, né?. Com o bonde nós só fomos contra o Cruzeiro. Quando saiu o gol do Luis Antônio, alguém levantou a bandeira e foi muito bom. Depois do jogo comemorei com um açaí em casa, pois era muito tarde e não tinha nenhum lugar aberto – se diverte, Meyinsse.
A brincadeira ficou tão séria que o pivô rubro-negro também criou um símbolo e adaptou uma das músicas mais cantadas nas arquibancadas do Maracanã para sua torcida. Músico nas horas vagas, o trompetista na adolescência em Baton Rouge se empolga com a quantidade de adeptos no seu “bonde” e promete novas composições no futuro.
– A primeira (música) que aprendi no Maracanã foi “isso aqui não é Vasco, isso aqui é Flamengo”. Mas a que mudei para usar com meu bonde foi “eu sempre te amarei, onde estiver tomarei, meu açaí, tu és bem melhor que melão, manga, pera e limão, meu açaí”…Agora quero criar uma música com uma composição minha e vou tentar convencer os torcedores da Flaçaí a comparecerem a todos os nossos jogos. Temos um símbolo que é o coração com um A de açaí. Uni as duas coisas que mais gosto no Rio, o Flamengo e o açaí, e aí surgiu a ideia da torcida – explicou.
Demonstrado de todas as formas, o vício de Meyinsse pelo açaí já fez algumas pessoas sugerirem que ele montasse seu próprio negócio ligado à fruta nos Estados Unidos. Feliz no Brasil, o jogador até gosta da ideia, mas admite que se trata de uma tacada ousada e bastante complicada para ir além. O jeito, por enquanto, é convencer seus amigos americanos a compartilharem sua grande paixão brasileira aqui mesmo no Rio de Janeiro.
Impressionado com a tara do jogador do Flamengo pelo açaí, o chef Ricardo Lapeyre espera que a fruta seja apenas um dos sabores nacionais a ganharem fama internacional.
– O açaí é uma fruta da região norte e lá tem açaizeiros para todos os lados. As pessoas têm pé de açaí em casa e o fruto cai no telhado deles. É normal que eles usem o açaí para uma série de coisas, e a comida não podia ficar de fora. Eles comem açaí como se fosse feijão. Mas no Sudeste nós estamos acostumados a tomar basicamente com guaraná natural, xarope de guaraná, e doce. Lá eles comem com bacalhau de pirarucu, camarão seco, arroz e até farinha. É super tradicional no norte, e é bom que estamos desenvolvendo a cultura gastronômica de lá aqui. Estamos descobrindo os sabores do Brasil e valorizando nossos ingredientes, e o açaí faz parte deles, assim como o Tucupi e o palmito – afirmou Ricardo.
Fonte: GE