Na vida real essa máxima é um pouco diferente: devo, não nego, pagarei quando puder.
No mundo da bola, entretanto, essa máxima popular não se aplica. Aliás, é até bom corrigir o título:
Devo, não nego, e não pagarei porque a dívida será perdoada
Os clubes vêm acumulando dívidas crescentes com o fisco, as chamadas dívidas fiscais ou tributárias, processo que parece ter se intensificado nos últimos dois a três anos. Há um post bem recente a respeito desse tema: “Aumenta a dívida tributária dos principais clubes brasileiros”. Quando falamos nesse aumento da dívida tributária é bom deixar claro que nele não está incluída a dívida “Timemania”, também com atrasos frequentes no pagamento. A “Timemania” nada mais é que o conjunto das dívidas fiscais que os clubes tinham até a assinatura do acordo, em 2007, que foram englobadas num grande pacote com seu pagamento se dando por meio da arrecadação da loteria. Esse acordo já configurou um generoso perdão, principalmente pelo fato do Congresso não ter exigido contrapartidas sérias dos clubes para sua efetivação, como, por exemplo, a transformação dessas entidades ou de seus departamentos de futebol em empresas, e o comprometimento de bens pessoais de seus gestores para o pagamento de dívidas por eles contraídas.
Hoje, como mostram os números dos balanços, a situação voltou a ser igual à que existia antes da Timemania. Mais grave: aparentemente como se pode deduzir dos balanços, o dinheiro que deveria ser usado para o pagamento do imposto de renda, contribuições previdenciárias e outras mais, está sendo usado para outras finalidades, desde o pagamento de dívidas antigas com jogadores, fornecedores, técnicos, funcionários, até a contratação de novatos que não deram certo além-mar ou o pagamento de salários nababescos para veteranos já sem mercado na Europa. Treinadores ganham os “olhos da cara” e um pouco mais. Para os “professores”, só se fala em salários na casa das centenas de milhares de reais… Por mês. Fora as multas gigantescas por quebras de contrato. Que seguem sendo quebrados a cada três ou quatro derrotas seguidas, gerando acordos de pagamento dos quais os torcedores nada ou pouco sabem. E as dívidas, com tudo isso, vão subindo, subindo, subindo…
Por mais que os direitos de transmissão cresçam – e cresceram muito – e o marketing dos clubes procure trabalhar para aumentar receitas (com resultados ainda pequenos), fica difícil pagar todas as contas no final de cada mês. A vítima, como de hábito, passa a ser a Receita, o fisco, o governo ou, popularmente, a “viúva”. A vítima real, todavia, é a sociedade. O dinheiro dos impostos busca outros caminhos e em seu lugar tudo que aparece é o número no balanço mostrando valores sempre maiores, ano após ano, na linha de impostos a pagar. Em 2012, como vimos no post citado, a dívida tributária dos principais clubes brasileiros passou de 2,03 para 2,42 bilhões de reais, um crescimento de 19,1% sobre o ano de 2011. Nesse período, o crescimento das dívidas totais dos clubes analisados foi de 17,1% e a dívida com a Timemania cresceu 9,6%.
Alguns clubes puxaram fortemente esses valores: o Flamengo aumentou sua dívida tributária em 58%, em parte, sem dúvida, como efeito da auditoria contratada pela nova gestão para traçar um quadro preciso das finanças do clube. O Corinthians, apesar de receitas recordes seguidas, ano após ano, aumentou sua dívida com o fisco em 46%. O Cruzeiro aumentou em 20% e o Atlético Mineiro em 19%, o Vasco em 15%, Botafogo em 13% e Palmeiras em 12%. A dívida desses clubes soma 1,509 bilhão de reais, equivalente a 62,3% do total dos 21 clubes que vimos no post.
Outros grandes devedores como o Fluminense (273,3 milhões), Internacional (126,8 milhões), Santos (112,2 milhões), Grêmio (94,2 milhões) e o São Paulo (67,0 milhões), aumentaram o estoque de suas dívidas entre 3% e 4%, com destaque para o Fluminense que conseguiu não aumentar seu valor devido, mantendo-o no mesmo nível de 2011.
Esse é o panorama que nos foi mostrado pela análise efetuada pela BDO, base do post já citado.
A generosidade do Proforte
Basicamente, esse projeto tem como intenção fortalecer o esporte olímpico. Sua essência já foi abordada nesse OCE: “O Proforte é desnecessário e vai penalizar o cidadão”. Esse post foi ao ar em 26 de abril, quando ainda não tínhamos os números oficiais, fornecidos pelos balanços dos clubes, referentes ao ano de 2012. Esse retorno ao tema foi devido, como vimos acima, pela evolução das dívidas tributárias.
Há algum tempo recebi cópia do texto desse anteprojeto e um item em particular chamou minha atenção, tal como já havia chamado a atenção da pessoa que repassou-o para mim: o artigo 5º diz, em seu parágrafo único, que serão consideradas todas as dívidas tributárias federais “vencidas até a data de publicação desta lei”.
Conversei a respeito com algumas pessoas da área de análise financeira e auditoria e todas elas, profissionais com larga vivência, ficaram muito surpresas com tal redação. Essa, porém, não foi a única reação: espanto, incredulidade e até um ou outro comentário não publicável fizeram parte da reação à leitura do anteprojeto do Proforte.
Por quê?
Porque existe entre os clubes um forte sentimento, uma certeza, mesmo, de que esse anteprojeto será aprovado. Mais: será implementado por meio de Medida Provisória da Presidência da República, o que já foi acordado pelo Ministério do Esporte com os deputados .
Diante dessa virtual certeza, por que um clube iria manter seus pagamentos tributários em dia, sabendo que logo mais haverá um acordo que facilitará ao extremo o pagamento de dívidas tributárias? Por que comprometer recursos preciosos com o pagamento de tributos que logo mais, se não estiverem pagos, serão incluídos em generoso programa de perdão de dívidas? Sim, oficialmente não há nada de perdão, mas essa é a leitura e interpretação da vida real.
O anteprojeto, que nesse momento encontra-se em análise nos Ministérios da Fazenda e dos Esportes, prevê um abatimento de 40% nas multas “de mora e de ofício” e o prazo de 240 meses, antecipado por mais 24 meses sem necessidade de pagamento dos atrasados, elevando o prazo para a quitação dos débitos para 22 anos.
Faz parte ainda do Proforte o aumento dos prêmios nas loterias ligadas ao esporte – Timemania, Loteca e Lotogol – como forma de atrair mais apostadores e aumentar a receita das mesmas, contribuindo para aumentar, da mesma forma, a quitação dos débitos dos clubes negociados no acordo de 2007. Outro ponto importante no Proforte se aprovado como está o anteprojeto: a Caixa Econômica Federal fica liberada para negociar com os clubes o pagamento pelo uso e cessão de seus escudos, marcas, hinos na Timemania. Mais: outras loterias poderão usá-los, a partir dessa negociação, e nesse caso os clubes receberão proventos semelhantes aos recebidos pela Timemania. Pessoalmente, acho isso um bocado generoso, para não dizer estranho, já que a razão de ser única dessa loteria é justamente ajudar os clubes. Ao pagar pela exibição dos escudos será como chegar para alguém e falar: “Olha, deixe-me ajudar você e além da ajuda ainda vou te pagar para você receber minha ajuda.” Muita generosidade, não? E o mesmo, naturalmente, se aplica aos usos eventuais por outras loterias.
Para não falar apenas negativamente do Proforte, ele apresenta, finalmente, uma exigência importantíssima, fundamental mesmo: os gestores, administradores, controladores e representantes legais dos clubes que participarem deverão entregar relação completa e detalhada de seus bens e direitos, com data de aquisição, existência de ônus, encargo ou restrição por penhora ou alienação, com indicação de data e beneficiário.
Infelizmente, ainda não será dessa vez que o Estado forçará os clubes a tomarem medidas mais concretas para o futuro, a começar pela transformação dos mesmos ou de suas áreas do futebol em empresas. Quem sabe um dia?
Fui informado pela assessoria do deputado federal Vicente Cândido, autor do anteprojeto, que não há previsão para a entrega do texto já analisado e com eventuais alterações pelo Ministério da Fazenda e Receita Federal.
Enquanto isso não acontece… O valor das dívidas tributárias segue crescendo. Não se pode afirmar se intencionalmente ou se por conta de graves problemas de caixa, mas o resultado final é o mesmo: as dívidas com a União crescem.
Fonte: Blog Olhar Crônico