“…há argumentos éticos e morais para pagar impostos. Temos 40 milhões de torcedores. Devemos dar exemplo.”
Fiz questão de começar esse post com a frase de Eduardo Bandeira de Mello, presidente do Flamengo, em destaque, por um motivo muito simples: há muito tempo não vejo um dirigente de futebol falar algo tão importante sem ser da boca pra fora, mero discurso para fazer bonito.
Acredito que não seja apenas da boca pra fora pelos exemplos dados até aqui, e que vêm sendo acompanhados e destacados nesse OCE.
Logo de início, porém, a chegada de Paulo Pelaipe, o executivo remunerado que cuida do futebol, assustou, pois ele desceu do avião falando em títulos. Ora, o discurso do gerente estava em franca oposição à visão dos dirigentes recém-eleitos. Logo, porém, ficou claro que a visão da direção prevaleceria.
Em 22 de dezembro, alguns dias do post citando a chegada de Pelaipe, um novo postfalava do Flamengo e dos “Fantasmas do passado sempre presentes”. Desse post, destaco uma frase: “A nova gestão está assustada com as contas e a situação financeira calamitosa do Flamengo.” Essa frase estava na matéria do repórter Janir Junior, do portal GloboEsporte, e sintetizava a reação dos novos dirigentes com a situação do clube.
Depois disso, o presidente Bandeira de Mello e seus companheiros de direção contrataram uma empresa de auditoria para levantar a real situação financeira do clube. Em concordância com tudo que falavam, e certamente com os corações doloridos, abriram mão de ninguém menos que Vagner Love. O gesto, além de seu necessário efeito prático de reduzir despesas, foi simbólico e exemplar: os cortes não afetariam somente pedaços desnecessários de gordura, iriam e foram além.
Dias depois um novo post, comentando as turbulências causadas pelas penhoras de receitas do clube. Estou rememorando tudo isso e falando em dias ao me referir ao período que antecedeu a posse e às primeiras semanas de gestão, para mostrar que a situação complicada do clube mostrava sua cara feia e suas garras em alta velocidade e intensidade.
Mais medidas duras e difíceis vieram (aqui), como os cortes de equipes de natação, judô e ginástica olímpica. A escalada continuava. Tempos difíceis, medidas duras. Esse foi o título de um post sobre o Palmeiras de Paulo Nobre, perfeitamente adequado ao Flamengo de Bandeira de Mello.
Esse foi o título da matéria em que comentei os resultados da auditoria anunciados pela direção do clube, com uma dívida de 750 milhões de reais. Perguntava e respondia que sim, dava para pagar, mas isso exigiria muito tempo e, principalmente, muitos sacrifícios por parte do clube. Esse era, aparentemente, o grande obstáculo a ser vencido: convencer a torcida não só da justeza, mas também da necessidade absoluta desses sacrifícios. Sobre isso, escrevi:
“…a maior e melhor ajuda do torcedor rubro-negro será não cobrar, não pressionar, ter calma, ser paciente e acreditar no futuro, apoiando o trabalho dos gestores.”
Difícil, não?
Muito difícil, mas sem grande dose de sacrifício e muito esforço, o clube não conseguirá resolver essa situação.
Frequentemente surgem críticas à gestão do clube. Algumas talvez justas, mas a maioria das que vi não atendem a esse requisito. Como o time de futebol anda patinando um pouco, a compreensão dá lugar ao questionamento, o apoio dá lugar às críticas. Inclusive por parte de ex-dirigentes, responsáveis pela situação calamitosa do clube, uns mais, outros menos, mas todos responsáveis.
Pondo os pingos nos is
Nesse domingo, os repórteres do jornal O Globo, Carlos Eduardo Mansur e Eduardo Zobaran, entrevistaram o presidente Eduardo Bandeira de Mello e seus vices Wallim Vasconcelos, Luiz Eduardo Baptista e Rodrigo Tostes, que deram um panorama de como está o Flamengo hoje (leia aqui).
O cerne da matéria foi sobre as dívidas do clube, com a direção mostrando-se convicta sobre a necessidade de quitá-las, e mais o porquê dos jogos em Brasília e os preços dos ingressos, bem mais elevados nessa temporada.
Recomendo a leitura da entrevista para quem ainda não o fez e dela vou destacar parte do que disse Rodrigo Tostes, responsável pelas finanças, ao justificar o “gasto” de 40 milhões de reais para conseguir a CND – Certidão Negativa de Débito – que possibilitou o patrocínio da CEF, mas vai muito além disso:
“O Flamengo precisava renegociar a dívida para se livrar de penhoras, da imprevisibilidade. A CND representou legitimidade no nosso trabalho, trouxe redução de juros, liberou penhoras. O patrocínio da Caixa não cobre o gasto com a CND. Mas eu seria executado numa penhora de R$ 130 milhões. O Flamengo ia quebrar. Eu posso te garantir, em seis meses o Flamengo estaria falido. Qualquer dinheiro que entrasse seria penhorado. Só para sentar e conversar com a Procuradoria da Fazenda Nacional, tínhamos que pagar R$ 40 milhões. E isto nos dava o benefício da CND.”
Não custa repetir: em seis meses o Flamengo estaria quebrado.
Esse é o panorama que o torcedor desconhece e, muitas vezes, até prefere ignorar. Coisa que ex-dirigentes fazem de caso pensado. Ao obter a CND o clube voltou a respirar. Digamos que está na UTI, mas respirando sem aparelhos, o que é um passo importante rumo à recuperação.
É nesse contexto que torcedores e jornalistas precisam entender a política de ingressos caros. Não se trata, na minha visão, de isolar o clube do torcedor pobre, mas sim de buscar recursos junto aos torcedores de maiores rendas para garantir a sobrevivência do próprio clube. Fora que é no mínimo questionável imaginar que torcedores “pobres” estão sendo prejudicados pelos ingressos caros que vemos nesse ano de novos estádios.
Antes de serem prejudicados pelo futebol, esses torcedores fazem parte de parcela (gigantesca) da população que já foi pesadamente prejudicada por toda a estrutura tupiniquim, com sua economia grande e de baixa produtividade, com sua distribuição de renda fictícia, agora falsamente turbinada por bolsas diversas, das quais tudo que sobra é propaganda, votos e a perenização da miséria ou da pobreza.
Não deixa de ser curioso que o mesmo crítico do preço alto clama por craques no time, em flagrante contradição entre realidade e desejo.
Jogar em Brasília, e talvez em outras capitais, é parte do mesmo cenário e da mesma solução de conseguir mais e maiores recursos da forma que for possível. É o peso da realidade.
Tecnicamente, no gramado, não vejo grandes dramas. Pensar em título é algo que não se encaixa com o momento (embora no futebol nada seja impossível), mas o time tem um bom treinador (caro, mas bom, e dadas as deturpações de nosso mercado não havia como fugir a isso) e um elenco razoável. Com o apoio dos torcedores pode ser menos difícil alcançar as metas desse ano. Metas financeiras, bem entendido. O resultado será a preservação do Clube de Regatas do Flamengo, melhorando sua situação ano a ano.
É meio complicado escrever um texto elogioso, pois já vão pensar (como já pensaram) que é texto de torcedor (não sou torcedor flamenguista) ou há interesses outros, que não existem. Mais: sequer conheço qualquer um dos membros da direção rubro-negra, tampouco é minha função ou necessidade conhecê-los. Repito o que já escrevi antes: acompanho e torço muito pelo sucesso da gestão de Bandeira de Mello, assim como pela gestão de Paulo Nobre, no Palmeiras. Com dirigentes como eles são, como aparentam ser nesse momento, o futebol brasileiro só tem a ganhar.
Fonte: Blog Olhar Crônico Esportivo