Anderson Vieira Martins é tímido por natureza, mas é daqueles que se transformam no trabalho. Em poucos anos como profissional no Brasil, era uma revelação do Vitória que virou uma espécie de Dedé branco para os vascaínos – até hoje os torcedores se dividem pela preferência a favor do camisa 25 ou pelo 26 (número do atual zagueiro do Cruzeiro).
Aos 26 anos, Anderson mora há quase três no Catar e parece até certo ponto conformado com a sua permanência no futebol do Oriente Médio até o fim do seu contrato, em dezembro de 2016. Não é por falta de procura. Corinthians, Vasco, Fluminense, Flamengo, Atlético-MG… Vários clubes grandes brasileiros já procuraram Carlos Leite, empresário do jogador, mas não tem negócio. Empréstimo, os donos do Al-Jaish nem consideram. O clube de Doha pagou 5 milhões de euros pelo direitos econômicos do jogador e estipularam como multa o dobro desse valor. Ou seja, Anderson só voltaria ao futebol brasileiro por mais de R$ 30 milhões.
– Sempre quando acontece essa situação (sondagens), é complicado, porque eles aqui não liberam. Até tive vontade de voltar no ano passado, mas não deu certo. Conversei com o pessoal aqui, mas não adiantou. Não queriam empréstimo, só venda. E o valor da multa é inviável para o Brasil. Mas um dia eu volto – diz o zagueiro, consciente que a decisão de sair do Vasco pouco depois de ser campeão da Copa do Brasil de 2011 (e o time lutava pelo título brasileiro daquele ano) o afastou do sonho de chegar à seleção brasileira. Mas ele não desiste.
– Tenho só 26 anos. Em 2018, eu vou ter 30. Com certeza ter saído naquele momento do Vasco deixou meu sonho mais longe, mas ele ainda existe. Tem muita coisa para acontecer ainda – diz o zagueiro, que é destro, mas no Vasco atuava pela esquerda e mais parecia um canhoto.
A qualidade na saída de bola chamava a atenção de quem assistia ao cearense que formou com Dedé uma das melhores duplas de zaga da história recente do Vasco. Foram pouco mais de seis meses, mas ainda assim marcantes pelo entrosamento e pela forma como os dois se encaixaram. Mesmo à distância, Anderson – que é xará de Dedé, Anderson Vital de nascimento – torce pelo companheiro ter sucesso na Copa do Mundo, objetivo que abriu mão com a transferência precoce.
– Saí porque a proposta foi muito boa mesmo – relembra o jogador.
A carreira de Anderson Martins é curiosa até certo ponto. Com passagens por seleção de base, o jogador teve duas sérias lesões – uma em cada joelho – que puseram em risco seu aproveitamento no futebol. Na mesma geração de David Luiz, ele surgiu no Vitória e conseguiu se estabilizar, se recuperar das lesões, chegando ao vice-campeonato da Copa do Brasil de 2010 e fazendo a zaga ao lado de Wallace, hoje no Flamengo. No Vasco, por indicação do técnico Paulo Cesar Gusmão, jogou ao lado de Dedé, que cresceu mais ainda ao seu lado. Foi em São Januário que o jogador fez seu primeiro gol como profissional.
– Foi um período muito bom, porque a gente fez uma amizade muito boa desde o começo. Aliás, todo aquele grupo da Copa do Brasil. Eu e Dedé nos completávamos, conseguimos entrosamento bastante rápido pelo pouco tempo que jogamos juntos. Espero um dia jogar com ele de novo, quem sabe. Se fosse no Vasco, seria melhor ainda – sonha ele, que era vascaíno quando criança, fã de Juninho e do time campeão brasileiro em 2000.
Sossego
A saída do Vasco se deu um dia antes do clássico contra o Flamengo, que marcaria o fim do primeiro turno do Brasileiro de 2011. Mais que isso, terminou sendo a partida em que Ricardo Gomes sofreu AVC e comoveu o Brasil. Sem entrar em detalhes dos motivos da transferência – além do financeiro, é evidente -, Anderson diz que passava por momentos difíceis no lado pessoal. A multa para saída do clube era de 2 milhões de euros, um motivo de arrependimento até hoje da diretoria vascaína.
– Tenho certeza de que, se o Anderson Martins não tivesse saído do Vasco naquele momento, teríamos sido campeões brasileiros de 2011 – costuma repetir o ex-vice-presidente de futebol do Vasco José Hamilton Mandarino.
Ao lado da esposa, Anderson seguiu a vida. Em Doha, acostumou-se a outra vida, em outro ritmo de treinos e de vida. Deu sorte de encontrar quatro brasileiros na equipe e não encontrou problemas de adaptação. Acostumado ao sol de Fortaleza, de Salvador e do Rio, não precisou encarar o desumano calor que faz de dia na cidade do Catar. As atividades do time geralmente são à noite, até depois das 22h. No time, além de zagueiro, Anderson se arriscou ainda mais ao ataque. Já são oito gols no futebol do Catar, mas ainda nenhum título da Liga. Apenas um de campeonato menor.
De longe, ele acompanha o movimento Bom Senso FC, que cobra melhores condições de trabalho para os jogadores no Brasil. Mesmo com deslocamento de no máximo 40 minutos de ônibus para jogos da Liga e toda a estrutura e conforto perto de casa, ele sente falta de peculiaridades do futebol nacional.
– O futebol aqui ainda é muito incipiente. Sinto falta dessa pressão do Brasil, da torcida, da paixão do brasileiro pelo futebol, de ser cobrado. Isso faz com que o jogador evolua – afirma.
Tristeza pelo Vasco, felicidade por Dedé
O rebaixamento de um time que até um ano e meio atrás brigava pela liderança do Brasileiro deixou Anderson Martins chateado, como qualquer torcedor vascaíno. Os erros administrativos, que não vêm de hoje, desmantelaram uma equipe campeã e que hoje não mais ninguém daquele time.
– Fico triste porque é um time grande, que eu gosto muito. E nunca é bom ser rebaixado. Mas infelizmente todo clube está sujeito a isso. Meu desejo é que o clube consiga ter mudanças, que consiga realmente evoluir em algumas coisas – torce.
Ele vê o ex-companheiro de zaga perto da Seleção, ao sair do Vasco e ser campeão brasileiro pelo Cruzeiro.
– Trocamos bastante mensagem até hoje. Ele teve um momento complicado, com alguns problemas com a família, como ele contou em entrevista, passou por contusão, mas não tinha dúvida de que voltaria a jogar aquele grande futebol. Dedé é um grande amigo e vejo que ele tem grandes chances de ir para a Copa.
Fonte: GE