Pelo inalienável direito de vaiar e cornetar os perebas.

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Agora que o Mengão tá bem é possível tocar em assuntos menos agradáveis. Como, por exemplo, o inalienável direito a vaiar, reclamar, cornetar e implicar com a perebagem que volta e meia nos assombra.
É inevitável que todo time tenha alguns desclassificados que sabe-se lá como conseguem se infiltrar no plantel e ali permanecer inopinadamente. Considero um dever cívico de cada torcedor perseguir os pernas de pau até que eles abandonem de vez o Manto Sagrado do qual nunca deveriam ter chegado perto.
Houve um tempo em que eu não pensava assim. Eu era terminantemente contra as vaias, uma espécie de dogma de torcedores mais fidelizados, de quem só se espera palmas e incentivos. Cada vez que a torcida começava a pegar no pé de um jogador a gente gritava mais alto, “ãe, ãe, ãe, vá vaiar o .. da mãe”. Uma bobagem que funcionava contra os menos valentes, afinal um monte de marmanjo gritando em uníssono de um jeito não muito amistoso é motivo suficiente para calar os mais tímidos. Mas quando a coisa degringolava, até a gente sucumbia ao protesto e engrossava o coro dos descontentes.
Mas felizmente eu mudei. Me lembrei de um falecido primo do meu pai, que mesmo ocupando um alto cargo em uma grande empresa de varejo, fazia questão de ir a todos os jogos de geral, se posicionando bem atrás do túnel do Flamengo. “Vou lá só para xingar o Joubert, saio dali com a alma lavada”, dizia ele . Veja que lição primorosa me foi dada quando ainda criança e que só depois de quarentão fui dar valor: a vaia redime, liberta e transmite felicidade.
E assim que aprendi o ofício de vaiar, me toquei que não se pode implicar a esmo, a torto e a direito. A coisa só funciona de verdade quando há foco, afinal se vai ao estádio para apoiar o time e vibrar quando possível, portanto não é possível dispersar esforços implicando com tudo e com todos. Vaia boa é a vaia precisa, com endereço certo, para quem realmente a merece.
Fui presenteado em 2013 com um exemplar perfeito para o sagrado exercício da vaia. Um sujeito tímido e calado, que atende pelo nome de Lucivaldo Lázaro, mais conhecido como Val.
Eu vi muita draga no time do Flamengo nesses anos todos de arquibancada. Gente ruim de verdade, capaz de levantar suspeitas de que não eram jogadores profissionais. É sempre um risco fazer afirmações definitivas, mas esse Lucivaldo tem toda a pinta de ser o pior dos mais de 500 que vi atuar.
O currículo dele é chocante: foi descoberto no Mogi Mirim, onde foi parceiro do Brocador e com quem compartilha o empresário, mas antes havia jogado no Baraúnas, Alecrim, Botafogo PB e América RN. Chegou a ser contratado pelo Bahia, mas saiu de lá em um episódio bizarro: antes mesmo de estrear, um vizinho seu foi assassinado, ele se assustou com a violência da Boa Terra e voltou para Mogi Mirim. Pelo menos foi essa a história que ele contou.
Sua carreira rumava para o ostracismo, até que aos 29 anos se deu a reviravolta. O Flamengo comprou o Val.
Você não leu errado: o Flamengo, que no começo de 2013 não tinha dinheiro nem para comprar um cafezinho na padaria da esquina, gastou seus minguados tostões na compra desse potente volante.
O qual, de lá para cá, só me deu uma única alegria: quando o Flamengo foi jogar em Caxias do Sul, no acanhado estádio Centenário, tive a chance de cantar bem de pertinho dele o coro que fomos ensaiando no ônibus a viagem inteira: “Fora Val Pedreiro/Fora do Brasil/Fora do Flamengo/Vá para a….”.
Foi uma realização quando ele ouviu a tocante homenagem que preparamos, a qual fez questão de retribuir entrando em campo nos minutos finais e participando decisiva e negativamente na jogada que resultou no gol que sacramentou nossa derrota. O que prova que vaiar o Lucivaldo não tem erro, o cara é comprovadamente ruim, não tem como ser injusto com ele.
Mas, olha, quero aproveitar esse nobre espaço que o Arthur gentilmente me concede para dizer que decidi me descasar do ódio pelo Val. Eu sigo firme no conceito de que cada torcedor deve cultivar uma implicância singular com algum jogador em particular – o próprio patrão aqui do blog tinha a dele, com o Renato Pelé, o popular Canelada. De jeito nenhum eu vou abandonar o meu sacrossanto direito de implicar e provocar algum jogador, isso faz bem para a alma, como rezava a cartilha daquele meu primo distante.
Só vou mudar de ares. O pobre Val será deixado em paz – se bem que pobre é maneira de dizer, porque de humilde ele só deve ter o aspecto, os rendimentos mensais do rapaz devem superar a soma dos meus com os de toda a rapaziada da Confraria do Urublog. O Lucivaldo Lázaro, concluo resignado, não é o que há de pior em nossas trincheiras.
A partir de agora eu vou brigar com alguém mais forte do que ele.
Porque jogador pereba eu até aturo. Agora, virar as costas para a bola e sair andando antes que a jogada termine não é apenas displicência, ruindade ou falta de vontade.
É um deboche ao sentimento mais nobre que cada um de nós cultiva dentro de si, que é o amor incondicional pelo maior clube do mundo. E pior ainda quando o debochado é o sujeito mais bem pago do time. Portanto, vaia nele, do primeiro ao último minuto.
Vaza, Carlos Eduardo. Nunca mais quero te ver!
Walter Monteiro
Fonte: Urublog
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