Os esportes olímpicos do Flamengo vivem um momento de decisão fora das quadras, ginásios e piscinas. Para manter seus projetos e iniciar outros, o clube busca ter acesso a parte de uma verba do governo federal, juntamente com outras instituições formadoras de atletas. Porém, antes, precisa se alinhar à Lei Pelé, o que depende de mudanças no estatuto rubro-negro, de acordo com a atual diretoria. Na próxima segunda-feira, dia 14, o Conselho Deliberativo decidirá a favor ou contra essas alterações. Entre as adequações estão medidas de transparência da gestão, representação dos atletas nos conselhos, autonomia do Conselho Fiscal e a garantia de que os sócios terão acesso à prestação de contas (confira no fim do texto). O vice-presidente de esportes olímpicos, Alexandre Póvoa, considera a aprovação das mudanças vital para as modalidades. Para ele, um resultado negativa coloca em risco todos os projetos. A oposição, no entanto, questiona.
– No começo da gestão, fomos obrigados a dar alguns passos para trás. Estamos voltando a andar para a frente. Isso interromperia nosso modelo. Seria (a não aprovação) uma tragédia para o esporte olímpico. Uma tragédia! – exclamou Póvoa.
No ano passado, o Flamengo optou por acabar com equipes profissionais de natação, judô e ginástica artística. Na época, os dirigentes rubro-negros alegaram que houve um déficit de R$ 14,5 milhões no departamento olímpico em 2012 e que o custo das duas equipes juntas chegava a R$ 2 milhões por ano. Nomes como Cesar Cielo, Jade Barbosa e Diego e Daniele Hypolito foram dispensados.
Há três anos, o Congresso Nacional aprovou uma lei que destina 0,5% das receitas de loterias esportivas para os clubes formadores de atletas olímpicos. A quantia é de cerca de R$ 35 milhões ao ano. Por conta de valores acumulados, o montante dividido pelas instituições pode chegar a R$ 130 milhões. Além da adequação do estatuto, outra exigência para obter esses recursos são as Certidões Negativas de Débito (CNDs), que o Flamengo já conseguiu no ano passado.
Questões políticas internas se confundem com a votação proposta para segunda-feira. Enquanto a diretoria tenta aprovar ajustes pontuais, circula pela Gávea uma discussão maior, que envolve uma reforma geral do estatuto do clube. E a mudança envolvendo o alinhamento à Lei Pelé acabou ”caindo” no meio desse turbilhão. Questionada, a diretoria diz que a votação imediata é apenas uma adaptação necessária às regras estipuladas em Brasília.
– Essa outra discussão não é de agora. É para novembro, dezembro… fim do ano. Mas, como a situação está muito quente, acabam querendo achar pelo em ovo – disse o vice de esportes olímpicos.
Alguns pontos estão gerando discussão no clube, como a emenda de número 4. Para a oposição, a nova norma impediria o Conselho Deliberativo de ter acesso aos contratos com cláusula de confidencialidade. Uma outra questão necessária é a garantia da representação dos atletas em órgãos e conselhos técnicos da categoria.
– Tem uma armadilha. A emenda 4 fala de contratos de confidencialidade. Eles querem que todos os contratos sejam confidenciais e esvaziam o Conselho Deliberativo. A lei diz que isso é uma prerrogativa, pode ter ou não – declarou Gonçalo Veronese, membro da oposição e do Conselho Fiscal do Clube.
A diretoria, no entanto, tem outra versão para a questão e afirma que a adequação do estatuto não mudará o cenário atual do clube, já que os contratos de maior importância têm a cláusula confidencial.
– Vem sendo muito falada a questão dos contratos. A lei fala que os contratos garantem a todos os associados e filiados os documentos e contas publicados na íntegra. Com exceção dos que contam com cláusula de confidencialidade. Só o Conselho Fiscal teria o direito. E o Conselho está ali para isso. Hoje já é assim. Os principais contratos têm essa cláusula – argumentou Póvoa.
A direção considera que as alegações são desproporcionais com o ganho que o esporte olímpico do clube pode obter com a adequação. Póvoa voltou a ressaltar que o clube investirá nos esportes apenas se tiver receita.
– É totalmente desproporcional a preocupação com uma cláusula ou outra com a consequência que se tem de não ser aprovada. A consequência é que vão estar sepultando o esporte olímpico do Flamengo. Estou deixando isso bem claro. A gente fez uma pesquisa recentemente, por causa do plano diretor, e 97% dos associados disseram que o Flamengo tem que ser administrado de uma forma financeiramente responsável. O clube não vai ser administrado onde não tem receita e bancar uma coisa maluca que não tem como pagar. Colocamos as contas em dia para poder ter receita. Para o esporte olímpico é vital. Se não tiver essa receita, o nível de investimento vai cair brutalmente – explicou.
O basquete também estaria acendendo o sinal de alerta para essa questão. A diretoria diz que o mais vitorioso entre os esportes olímpicos do clube tem boa parte dos dos custos financiados pela Lei de Incentivo ao Esporte. Não adequar o estatuto significaria perder essa verba. Natação, ginástica e judô são alguns dos esportes que também têm projetos aprovados.
– O basquete do Flamengo foi campeão da Liga das Américas e do NBB, tendo 80% dos custos financiados pela Lei de Incentivo ao Esporte. Nós perderíamos isso. Já temos projetos aprovados para a ginástica olímpica e para o judô, depois de conseguirmos as CNDs. Temos dois projetos do remo e de esportes aquáticos aprovados e com patrocinadores, já na fase final burocrática. A piscina está interditada, mas já aprovamos projetos para captação de dinheiro. O Flamengo está muito perto de declarar o esporte olímpico independente. Até o meio do ano, o esporte olímpico não vai mais depender do futebol.
A diretoria afirma que, além de não ter acesso às verbas, o clube pode perder a isenção de pagamento de alguns impostos. Ou seja, seria obrigado a pagar Imposto de Renda e a Contribuição para Financiamento da Seguridade Social (Cofins) sobre a receita. A Confederação Brasileira de Clubes (CBC) é quem julga quem vai receber os recursos e os repassa aos associados. Para ter certeza de que conseguirá fazer parte da distribuição, o Flamengo contratou o mesmo consultor jurídico da CBC.
– Existe uma série de itens, tem muito a ver com profissionalização da direção. O governo quer clareza de que essa verba será bem aplicada. É uma regra de transferência e também pede a participação dos atletas nos conselhos. Também tem questão de nepotismo, de tempo de mandato. São coisas para moralizar o esporte – prosseguiu Póvoa.
Presidente do Conselho Deliberativo do Flamengo, Delair Dumbrosck afirmou que nem mesmo os membros da oposição votariam contra algo que pode ser prejudicial ao Flamengo. Mesmo diante das discussões em volta da reforma geral do estatuto, ele aponta que as alterações necessárias pela Lei Pelé não preocupam.
– Mesmo sendo uma mensagem guiada pelo presidente é benéfica para o Flamengo. Esse caso é pontual. Não é nada demais. Ninguém diz que o clube tem que abrir a porta tal hora e fechar tal hora. São questões simples. Creio que a oposição não vai criar esse problema. Porque pode trazer problemas financeiros para o Flamengo.
Os atletas olímpicos do Rubro-Negro também foram mobilizados pela causa. A diretoria conta com apoio deles para divulgar a importância da votação. A presença de alguns é até mesmo aguardada na reunião desta segunda-feira.
– Temos a intenção de mobilizar os atletas olímpicos. Eles sabem da importância desta questão – afirmou Alexandre Póvoa.
Oposição quer rebater
A oposição, no entanto, promete fazer jogo duro. Membro do conselho fiscal e um dos lideres da oposição, Gonçalo Veronese rebateu a diretoria. Ele afirma que seu grupo entende que o estatuto rubro-negro já está alinhado à Lei Pelé.
– A oposição entende que o estatuto já está adaptado com a lei. Não existe necessidade de mudar o estatuto. Temos análise jurídica sobre isso. A situação está usando esse artifício para implementar uma reforma estatutária. Nós somos contra e estamos combatendo. Esses itens estão sendo colocados sob uma ótica de chantagem, como se o Flamengo fosse ganhar R$ 100 milhões. Entendemos que o estatuto atende integralmente à Lei Pelé. Não existe necessidade de alterar – apontou Veronese, que afirma que nem todas as emendas estariam relacionadas com a Lei.
A data limite para a adequação dos estatutos ser aprovada é até o dia 16 de abril, na próxima quarta-feira.
Fonte: GE