Sejamos francos. Não é a primeira vez que um clube permite que o treinador demitido seja o último a saber. Não é a primeira vez que as noções básicas de respeito e consideração são mandadas às favas no futebol. E, pelo visto, nem será a última. E o fato de ser rotina, diga-se de passagem, não torna aceitável, não reduz em nada o arranhão na instituição. Mas o problema maior é de onde, ou de quem vem o gesto.
Na vida, toda avaliação, seja de atitude, seja de desempenho, é profundamente influenciada pela expectativa depositada. E no caso do Flamengo, não foi a opinião pública, o sócio que votou ou a torcida quem, por conta própria, construiu uma expectativa elevada. Quando se apresentou para concorrer na eleição, o grupo que hoje comanda o clube repetiu à exaustão que chegava para inaugurar uma nova forma de dirigir o clube. E a demissão de Jayme de Almeida é o atestado definitivo de que, ao menos no futebol, o agressivo discurso pré-eleitoral está divorciado da realidade.
A forma como o treinador foi afastado é um duro golpe em quem acreditou estar diante de uma nova oportunidade de ver o futebol brasileiro arejado. Mais uma vez, a promessa de que iríamos respirar novos ares se revelou falsa.
O Flamengo ainda gasta muito e entrega pouco no futebol. E os treinadores? Pois bem. Ney Franco será o quinto da atual gestão. É justo dizer que Mano Menezes saiu porque quis. Mas a lista que tem, ainda, Dorival Júnior, Jorginho e Jayme assusta não só pela frequência das trocas, mas pela variedade de perfis e padrões salariais. Ou seja, o gasto com treinadores variou de acordo com a ocasião do mercado, ao sabor das marés e, como é regra no futebol, ao sabor do resultado. Tudo como antes.
E o que difere o modelo rubro-negro do que se vê país afora? Quase nada. Mas quem prometeu ser diferente foi a própria diretoria do Flamengo. Ele ofereceu novas esperanças, assumiu o compromisso de fugir ao padrão. Mas falhou.
Já falhara na gestão institucional ao elitizar estádios e rasgar a identidade do clube. Ao insinuar, com seu discurso repleto de agressividade, que ninguém que passou pelo Flamengo entende um pingo que seja do clube. Só os dirigentes do “Novo Flamengo”, que parecem querer refundar o clube. Como se a entidade tivesse completado 118 anos e ganho tantos títulos por acaso. No lugar de unir o clube, criaram cizânia.
A forma como Jayme foi demitido é coerente com a prática predominante. Foi assim com Renato Abreu, foi assim com Kojo, do basquete. Todos eles, os últimos a saberem. Jayme não foi um acidente.
É muito justo ressalvar. A diretoria acerta, e acerta muito, ao dedicar tempo, energia e atenção poucas vezes vistas na história do Flamengo a reformas institucionais. Aparentemente, por alguns tipos de vexame o clube não passa mais: atrasos de salários, não recolhimento de impostos e gestão irresponsável da dívida. Ainda que o balanço aponte que a redução do débito caminhou menos do que o imaginado.
O Flamengo atual está longe de ser um desastre completo. Tem virtudes. Várias, aliás. Mas se tem o domínio de modelos de gestão, aptidão com números, organização e um aparente ímpeto transformador, a direção falha em algo mais do que na condução do futebol. Falha no exercício diário da humanidade, da sensibilidade, do culto a valores intangíveis. Há tempo para corrigir. É preciso vontade, habilidade e humildade.
Fonte: Blog do Mansur