Durante o 2º Business FC – Fórum dos Clubes Brasileiros -, realizado em 5 de novembro passado, em São Paulo, já perto do final do evento ao receber a palavra sobre um outro tema, o presidente do Flamengo – Eduardo Bandeira de Mello – disse em alto e bom som que seu clube disputaria e iria conquistar o título de clube mais transparente do Brasil, que acabara de ser entregue, pela segunda vez consecutiva, ao Corinthians.
Pelas características e comportamento não só de Bandeira de Mello, mas também de seus companheiros de diretoria, levei a sério a declaração. Nessa temporada, vejo com satisfação que o clube publicou seu balanço antecipando-se em alguns dias à data final definida em lei. Acreditem, não é pouca coisa. Também não é o caso de elogiar (seria como elogiar um político por ser honesto, algo que deve ser inerente, simplesmente), mas de registrar esse fato como relevante, considerando o histórico do clube onde mudanças importantes estão em curso.
Uma visão geral do balanço mostra um documento bastante consistente, razoavelmente detalhado (há muito a evoluir, mas isso se aplica a todos os clubes), com bom nível de transparência e fecha com a opinião dos auditores independentes de que o documento representa adequadamente a posição do clube no último dia de 2013. Parece pouco ou mera afirmação burocrática, mas, novamente, considerando os anos anteriores, é um bom avanço. O prêmio de clube mais transparente desse ano já está sendo muito disputado.
Receitas Operacionais em ascensão
O porquê do título meio óbvio… É claro que quase todas as receitas são definidas, são o que são em cada um, devido à força de sua torcida. É ela que assiste e dá audiência, é ela que compra o produto ou é alvo de um patrocinador e é ela, naturalmente, que vai ao estádio. Nos primeiros casos ela age indiretamente e nesse último ela age diretamente.
Nesse ano de 2013, entretanto, a torcida rubro-negra desempenhou um fortíssimo papel como agente direto de crescimento de receita: em parte do nada, exatamente um quarto, pois em 2012 não houve receita com sócio-torcedor, a torcida comprou a ideia e a esperança trazidas por uma nova direção e carreou para o caixa do clube a fantástica – para nossos padrões – quantia de R$ 64,8 milhões em renda nos estádios (48,3 milhões) e no programa de sócio-torcedor (16,5 milhões). E foi esse valor que fez a grande diferença no balanço 2013 do Flamengo.
Como sabem os leitores desse OCE, sempre considerei que o importante a ser visto nos números de um clube são aqueles que compõem as receitas chamadas operacionais, ou seja, as receitas produzidas pelo time de futebol ou em função direta dele. São elas: os direitos de transmissão (resumidos para “direitos de TV”, embora incluam internet e telefonia móvel), as diferentes receitas de marketing e, por fim, as receitas que no Brasil chamamos de “bilheteria”, e que também incluem os programas de sócio-torcedor. No caso dos clubes que possuem estádio próprio, a receita operacional também inclui o que a “casa do time” gera em faturamento.
Portanto, as receitas operacionais não incluem o que é gerado com transferência de atletas, assim como os pagamentos feitos por sócios referentes à área social do clube, eventuais vendas de patrimônio, etc.
Esse conjunto de receitas apresentou um grande crescimento, algo que realmente chama a atenção e que destaquei há dois dias no post sobre as finanças da CBF, quando comparei as receitas brutas e as receitas operacionais dos três maiores clubes em torcida com as receitas da CBF. Vou repetir os dois gráficos:
Creio que agora ficou bem mais claro o que eu disse sobre o conjunto de receitas operacionais rubro-negras chamar tanto a atenção. As receitas operacionais do Flamengo representam 88% da receita total, um patamar bastante elevado para a realidade brasileira, e esse é um número muito saudável. Essa proporção é devida ao fato do Flamengo não ter um histórico recente de negociações de direitos federativos, chegando ao ponto de não ter contabilizado um único real nessa conta em 2013. Isso por um lado é muito preocupante, não pela renda que essas negociações proporcionam, mas por indicar um baixo rendimento das divisões de base. Constatação cruel e paradoxal ao mesmo tempo. Se forma e vende, critica. Se não forma e não vende, critica também. Nessa hora o leitor pergunta:
– Ué, mas o clube não precisa ganhar dinheiro com transferências de atletas? E você mesmo não diz toda hora que “venda de jogador” não é receita operacional e não deve ser contada para a vida do clube?
A resposta é “Sim” para as duas colocações. Sim, precisa negociar, porque nossos clubes, sem exceção, não apresentam condições de se manter solventes e competitivos ao mesmo tempo sem muitos recursos, venham de onde vierem. E “Sim”, também, para o fato de não se poder contar com essa receita para garantir as finanças do clube. Essa receita, infelizmente, é usada para tampar buracos gerados por gastos exagerados, associados ou não a quedas de receita por fatores diversos, desde a economia do país até um rebaixamento ou má campanha. Os clubes mantêm uma política de gastos excessivos, contando com o “empurrar com a barriga” de um lado, com a despreocupação com a formação de grandes dívidas fiscais de outro e, claro, com a venda pura e simples do direito federativo de jovens promessas.
O Flamengo, naturalmente, estaria em melhor situação se sua base estivesse formando bons jogadores. Ao mesmo tempo, essa falha serve para mostrar uma força que o clube não tinha já há algum tempo: uma excelente geração de caixa através das receitas operacionais, que deram um grande salto nos dois últimos anos:
Em 2013 a receita operacional cresceu 52,0% em relação a 2012, um crescimento muito grande e fora da curva pelo fato da base já ser elevada para os padrões do mercado brasileiro. No período de 5 anos, a diferença entre as receitas operacionais nas duas pontas é de 170%.
Nesse mesmo período, a diferença da receita total foi de 127%, mas se considerarmos somente as receitas da Área Social, Outras e Transferência de Atletas (sempre baixa), o crescimento foi de apenas 6,5%, com um pico baixo em 2010 e um pico alto em 2012. Em termos práticos, é o futebol que gera receitas no Flamengo e sustenta o clube, como ficou visível no gráfico acima.
Uma evolução consistente
Tal como ocorreu com os demais clubes brasileiros, os novos contratos de direitos de transmissão, somados às luvas pelas assinaturas e pelas extensões, alavancaram fortemente as receitas operacionais. Em muitos outros clubes essa foi a única receita a ter crescimento diferenciado. O que hoje distingue Flamengo e Corinthians não é somente o valor dos direitos de transmissão, que são, sim, maiores, mas que sozinhos não explicam as grandes diferenças de receitas. A explicação para isso está nas outras duas pernas do tripé que forma as receitas operacionais: Marketing e Bilheteria (e, no caso do São Paulo, o estádio, cuja receita é parte de Bilheteria, o que seria Matchday na Europa). Para ficar mais claro esse post, vejamos como se dividiram as receitas do Flamengo nos últimos cinco anos:
Se o total cresceu 230% em 2013 sobre 2009, a arrecadação com bilheteria e sócio-torcedores evoluiu nada menos que 324%! Com um forte baque em 2012 e um pouco menos em 2011, em função das obras para a Copa no Maracanã. Em 2013 essa receita foi alavancada, também, pelos jogos fora do Rio, especialmente em Brasília, usando o estádio da Copa na cidade. Aqui, em meio à festa, há um problema que não é pequeno: o custo para esses jogos, inclusive hoje no Maracanã, é muito elevado. E, mais dia, menos dia, será necessário acertar uma política de preços mais inteligente e atrativa, principalmente para o torcedor não associado.
A receita de Marketing também cresceu muito: 299%. Aqui há um peso que desequilibra um pouco a conta, positivamente, que foi o pagamento de luvas pela renovação com a Adidas. Mesmo assim, um desempenho excelente.
A receita com direitos de transmissão também evoluiu consideravelmente, principalmente se considerarmos os valores envolvidos. Tal como o marketing, as luvas pelo novo contrato e pela renovação antecipada exerceram forte alavancagem nessa receita.
A receita da Área Social, que engloba os esportes amadores, apresentou menor evolução, deixando claro a força do futebol como gerador quase absoluto de caixa.
Como disse no início, o ponto fraco do Flamengo, ainda mais quando comparado ao São Paulo, Santos, Corinthians e Internacional, está na formação e na negociação de direitos federativos de jogadores. Novamente, embora não seja o correto, os demais clubes valem-se dessa receita para se sustentarem e bancarem investimentos. Sem ela, o Flamengo padece em duas pontas: na entrada do caixa e na saída do caixa, pois é obrigado a buscar mais e mais jogadores já formados no mercado, pagando o custo dessa prática.
Esse post termina aqui. Não falarei hoje sobre dívidas e despesas, pois o foco era somente o forte incremento nas receitas operacionais.
Crescimento tão grande que colocou o Flamengo como líder em Receitas Operacionais no futebol brasileiro em 2013.
Acreditem, não é pouca coisa, muito pelo contrário.
Em breve, outros posts abordarão esses temas e outros mais, não somente meus, mas também de empresas e profissionais do mercado.
Fonte: Olhar Crônico