Vários zagueiros entraram para a história do futebol pelos mais vis motivos desde que se passou a chutar qualquer objeto remotamente semelhante a uma bola. Existe o famigerado zagueiro bandido, que abrevia a carreira do atacante iluminado, e também o defensor tosco cujas incontáveis roscas deixam o goleiro em estado de alerta constante e sufocam a torcida, impotente na arquibancada. Pelo jeito, o desejo da comissão de arbitragem da CBF era que a estes dois exemplos de párias dos campos mundo afora se somasse um outro: o zagueiro traumatizado.
Porque só uma intenção sádica destas pode explicar a cruel instrução para que se apitasse pênalti em qualquer jogada em que a bola encontrasse o braço de um defensor dentro da área. Para tanto, havia apenas uma condição: que o zagueiro tivesse um braço. Não precisava nem ter os dois.
Esta nova diretriz era desumana sob vários aspectos – uma punhalada de aleatoriedade no coração da torcida, campeonatos decididos ao sabor dos ventos, entre outros –, mas especialmente por que jogava um saco de cimento de culpa sobre os ombros de um defensor que, basicamente, cometia apenas o erro de existir. E ter um braço. É uma atribuição de culpa extrema para um lance que muitas vezes é desprovido de qualquer resquício de intenção. Porque pênalti injusto marcado contra a gente é um genocídio emocional. E sempre foi, desde que a evolução nos premiou com membros, impossível que um jogador corra, marque, pule ou dê um carrinho salvador com os braços grudados ao corpo. Durante estas manobras indispensáveis, o braço se rebela.
Menos mal que ontem o responsável pela arbitragem da FIFA alertou que os brasileiros estavam agindo de forma totalmente equivocada nestes pênaltis marcados a granel. Entenderam tudo errado e assim transmitiram aos homens do apito, gerando uma explosão de marcações bizarras nas últimas rodadas do Brasileiro, jogando zagueiros num caldeirão fervente de almas danadas. E percebam que nestes jogos de pontos corridos pouca coisa realmente é decidida em um jogo, e mesmo assim a sensação de injustiça, de aleatoriedade, já é aterradora.
Agora pensem em uma partida eliminatória, um pênalti marcado já quando a torcida arranca a última cutícula, quando os repórteres já se deslocam para o meio-campo. E o zagueiro lá, desolado, arremessado à infâmia eterna, relegado ao exílio e ao ostracismo, epicentro de toda a desgraça como um personagem trágico porque cometeu um apenas um erro: ele nasceu com um braço. Nem precisam ser dois. Pois bem. Menos mal que entendemos tudo errado. Era isso ou a camisa de força – dentro e fora do campo.
Fonte: Meia Encarnada