A genética por si só transformou a escolha de Mattheus mais complicada do que para a maioria dos garotos que tentam a sorte no futebol. Nascido em berço de ouro, tinha tudo o que queria em casa, mas estava fadado a carregar consigo as cobranças de ser filho de um dos maiores atacantes do país. O tempo, no entanto, tem se encarregado de tornar ainda maior o fardo do herdeiro de Bebeto. Vinte anos depois do afago ilusório que virou marca do pai na Copa de 94, o meia tem recebido pancada de todos os lados e se tornou o vilão para o torcedor que busca explicações para eliminação do Flamengo na semifinal da Copa do Brasil diante do Atlético-MG.
A sombra da eliminação passará a acompanhar Mattheus daqui para frente, assim como a desconfiança de um torcedor que nunca foi muito paciente com ele. Em entrevista ao GloboEsporte.com, o meia falou sobre o momento conturbado e disse acreditar na volta por cima com as cobranças e o apoio de Vanderlei Luxemburgo.
– Estava preparado para jogar. Seja no início ou no decorrer do jogo. Quem acompanha os treinamentos sabe que o professor Vanderlei me cobra muito. E quem o conhece sabe que ele cobra de quem tem potencial. Tenho 10 anos de Flamengo. Porém, sou novo, tenho muita grama para comer ainda. O Vanderlei diz que eu tenho que comer pão com raiva. Ou seja, tenho que me dedicar mais e mais. Tenho treinado exaustivamente e estava preparado. Se tivéssemos nos classificado, as perguntas seriam outras. Faz parte da vida e o futebol não é diferente. Me cobro muito. Vou amadurecer ainda mais com o professor Vanderlei – disse o jogador.
Em campo, foram apenas 27 minutos. Fora dele, o martírio de Mattheus já dura mais de 24 horas. No desembarque da delegação rubro-negra no Rio de Janeiro, o jovem foi o principal alvo do torcedor. Parte culpava Vanderlei Luxemburgo por escalá-lo “na fogueira”; a outra enumerava argumentos para reprovar a presença do meia no elenco do Flamengo. Lento e inconstante são alguns dos adjetivos que o jogador já até se acostumou a escutar, mas que chegaram junto de outro questionamento: até que ponto está disposto a encarar os sacrifícios para chegar ao sucesso no futebol?
Não é de hoje que Mattheus paga o preço do berço de ouro que tem. Assim como Igor Sartori, filho de Alcindo, ele é visto, até mesmo internamente, como alguém que não precisa da profissão para viver bem. Não são poucos os que o definem como um jovem de muito talento e técnica, mas que carece de entrega para se posicionar no cada vez mais físico e competitivo mundo da bola. Recentemente, isso parecia ter mudado. Depois de um longo período sem jogar, o jovem voltou a chamar a atenção nos treinamentos – como já aconteceu muitas vezes na era Jayme de Almeida – e parecia “comer grama”. Vanderlei Luxemburgo identificou a mudança de comportamento, o auxiliar Deivid também, e surgiram as oportunidades.
Questionado nos bastidores após o jogo no Mineirão, o próprio Luxa justificou a escolha pelo garoto citando o bom rendimento nas atividades, que o fizeram passar à frente de Lucas Mugni na fila de opções. A participação pouco efetiva, com dois passes certos, um errado, e a presença em campo nos dois últimos gols do Galo, entretanto, mudaram o rumo das coisas novamente para Mattheus. Teve um tempo curto para ser herói, para ser até mesmo mais um em caso de participação discreta em uma classificação, mas acabou virando alvo, por mais que não tenha tido influência direta na eliminação.
Alçado aos profissionais em 2012, após passagens por seleções de base, Mattheus tem 20 jogos e ainda não fez gol. No ano passado, viveu um momento delicado. Insatisfeito com a falta de valorização na Gávea, chegou a encaminhar uma transferência para o Juventus, da Itália, ficou a temporada inteira sem jogar, mas acabou aceitando uma renovação de contrato. Já no retorno aos gramados, na estreia no Estadual de 2014, contra o Audax, sentiu a insatisfação da torcida com vaias ao sair para dar lugar a Carlos Eduardo.
Ainda no Estadual, foram outras quatro atuações, seguidas de uma oportunidade na primeira rodada do Brasileirão, contra o Goiás, com Jayme de Almeida. Depois disso, ficou mais de seis meses sem jogar, até a participação nos minutos finais contra Chapecoense e Atlético-MG. À espera de uma nova chance, Mattheus promete manter a tranquilidade. As críticas, encara com naturalidade e espera transformar em fome dentro de campo.
– Não julgo ninguém. Sou profissional. Encaro com naturalidade. Repito que quem acompanha os treinos sabe que me dedico mil por cento. A cobrança é natural por estar no maior clube do Brasil. Tenho que trabalhar. Mais e mais. Erguer a cabeça. E comer pão com raiva como diz o professor.
Mattheus tem contrato com o Flamengo até maio de 2016. Tempo de sobra para encher a barriga com os pães de Luxemburgo e saciar a fome do torcedor.
Fonte: GE