O Flamengo elege nesta segunda-feira, numa decisão inusitada do Conselho Deliberativo, um novo corpo transitório de 115 conselheiros. Este foi o número de membros destituídos por não comparecerem às sessões com a frequência determinada no estatuto social. O corpo transitório é eleito junto com a nova diretoria, com 120 conselheiros da chapa vencedora do pleito e outros 40 da segunda colocada. O presidente do Deliberativo, Delair Dumbrosck, afirma que somente deseja dar lugar a quem queira participar de fato da política do clube.
O mandatário rubro-negro, Eduardo Bandeira de Mello, não contesta, mas não se lembra desse tipo de cobrança em outras gestões. A votação irá das 8h às 21h.
– Pelo que me lembro, nunca se cobrou esse compromisso dos membros transitórios. Esse ano o presidente do Deliberativo resolveu destituir os membros que tiveram essas faltas, se não me engano provocado por um grupo de sócios que mandou um expediente denunciando. Mas é um direito, está escrito no estatuto – afirmou Bandeira de Mello.
Apesar de ser mais um capítulo do racha entre o presidente do Deliberativo e o Conselho Diretor, depois de terem sido aliados na eleição de 2012, a eleição desta segunda é relevante por dois motivos: a diretoria tem, recentemente, sofrido derrotas no Deliberativo, como na questão da cota extra. A redução da sua bancada de conselheiros não ajudaria. Mais do que isso, se houve um número grande de votos, o pleito fatalmente servirá de termômetro para a eleição presidencial no fim de 2015, podendo indicar o nível de aceitação da gestão após dois anos à frente do clube. Dos 115 que serão eleitos, são 75 titulares e 40 reservas. A chapa vencedora colocará 60 novos conselheiros, e a perdedora, 15.
A Chapa Azul, de acordo com Benny Kessel, coordenador ao lado de Dirceu Júnior, perdeu 72 conselheiros do corpo transitório, sendo que 15 voltaram como membros natos após comprarem títulos de sócio-proprietário. Para o pleito, o grupo tem entre seus aliados declarados os ex-presidentes Marcio Braga e Hélio Ferraz.
A Chapa Branca, por sua vez, coordenada por Cacau Cotta e Haroldo Couto, não se posiciona como oposição, por reunir também correntes “de centro”. Ela reúne diversas correntes, como as de Jorge Rodrigues e Lysias Itapicuru, que já concorreram à presidência, e também seguimentos mais radicais de oposição, como o Fla Tradição de Gonçalo Veronese, José Pires e Marcelo Vargas.
As opiniões se dividem. Enquanto Dumbrosck enxerga uma inevitável prévia da eleição de 2015 por conta de ser uma votação somente de cunho político, sem outros fatores, como por exemplo acontecia na questão da cota extra, Bandeira de Mello crê que isso só será possível se houver de fato um número de votos que se aproxime de uma eleição presidencial.
Nas chapas, o pensamento é parecido. Ambas ressaltam que é difícil afirmar que se trata de uma prévia porque é uma eleição técnica, sem cabeça de chapa, e, portanto, diferente. Porém, o ex-vice-presidente Cacau Cotta ressalta que, nos bastidores, o debate se tornou muito mais amplo. Isso, aliado a um número de votos muito superior a uma reunião de Deliberativo – uma sessão dificilmente reúne mais do que 500 conselheiros – pode servir de referência para o ano eleitoral de 2015.
Questionado sobre o tema, Bandeira de Mello considerou exagero o termo “prévia”, mas reconheceu que dependendo do volume de votos o resultado “pode indicar alguma tendência”:
– Ainda falta muito para a eleição de 2015, ninguém sabe o que acontecerá até lá, então acho um exagero. O resultado, evidentemente, pode indicar alguma tendência, principalmente se houver um comparecimento maciço dos sócios. Do contrário, não diria que pode ser representativo. Na eleição de 2012, foram 2.600, 2.700 sócios votando. Se tivermos um número que não seja muito inferior a isso, pode ser uma prévia. Mas se for um número pequeno, acredito que não. Isso não é importante. Estou estimulando as pessoas a comparecerem para tentar aumentar a quantidade de pessoas no Conselho Deliberativo comprometidas com as coisas boas, com a política de seriedade e responsabilidade.
Sobre o fato de diversas correntes de oposição terem se unido na chapa que concorrerá com o grupo apoiado pela diretoria, o presidente rubro-negro não viu problemas ou ameaça à continuidade da gestão que buscará a reeleição em 2015:
– É um direito se unir. Tem muita gente que combate essa nossa política de responsabilidade, é natural que todos que são contra esse tipo de coisa se unam e tentem interferir no processo para que o Flamengo volte ao rumo que tinha antigamente. Não me preocupa nem um pouco, é um processo democrático.
Do outro lado, embora o presidente do Deliberativo tenha um discurso mais áspero em relação à diretoria, Cotta indaga.
– Eu votei em 90% das coisas com a diretoria, 10% contra. Sou oposição? Nós votamos pelo Flamengo – disse o ex-dirigente sobre a composição do seu grupo, discurso endossado por Haroldo Couto, que também afirmou enxergar diversos pontos positivos na gestão atual.
Dumbrosck, por sua vez, foi mais duro e questionou diretamente a política de responsabilidade citada por Bandeira de Mello, sob o argumento de que houve antecipação de receitas de anos posteriores ao fim do mandato da atual gestão. Em outras ocasiões, o presidente do Flamengo justificou que há tipos diferentes de endividamento e que trocar uma operação onerosa por outra com menos custos para o clube não contradiz a austeridade financeira que a diretoria usa como principal bandeira.
– Eles tiveram uma oportunidade imensa para unir o Flamengo, mas agora estão fazendo uma união da oposição. Realmente essa eleição será uma medição de força. Se a Chapa Branca ganhar, será uma demonstração de que estão um pouco fracos na política do clube. Já tiveram alguns problemas, tentaram fazer uma cobrança de familiares dependentes dos sócios, não conseguiram. Na questão da cota extra, uma derrota significante. Não diria que esta seria uma derrota política, mexe com dinheiro… Mas essa eleição realmente será uma demonstração.
A principal crítica de Dumbrosck é à postura da diretoria. Nos bastidores, cartas enviadas aos associados dão o tom do embate que vem se agravando a cada novo ato do Deliberativo.
– O Flamengo sempre foi o seguinte: acabou a eleição, é todo mundo pensando junto no Flamengo. Eles não. Acabou a eleição, se juntaram num grupo, e não tem diálogo, não tem abertura com ninguém. Acham que estão formando um novo Flamengo. E o Flamengo não é assim, é uma nação. Eles têm de ter um pouco mais de respeito, de mobilidade política, e não estão tendo.
Bandeira de Mello, no entanto, acredita que a vitória da Chapa Azul nesta segunda pode mudar um pouco o cenário político no conselho. Desde que, claro, os novos eleitos participem ativamente das votações.
– Se forem conselheiros que frequentem muito as sessões, seja de um lado ou do outro, pode fazer diferença. Em qualquer momento há votações importantes no Deliberativo. É sempre importante eleger pessoas comprometidas com essa política que estamos implementando de seriedade e responsabilidade, de resgate da dignidade do clube.
Benny Kessel, da Chapa Azul, composta principalmente por membros do SóFla, analisou que muitos associados só poderão votar no fim do ano, por conta do período de filiação exigido pelo estatuto, e dessa forma diverge de Dumbrosck sobre o peso político do resultado nesta segunda. E ressalta que o grupo enxerga “erros e acertos” na atual gestão, mas “muito mais acertos”.
– Essa eleição não é tão simples nem de explicar, é diferente de uma eleição presidencial que as pessoas já estão acostumadas. Não acredito que o índice será tão grande. Acho muito cedo para dizer se será uma prévia, até porque muitas pessoas só vão poder votar para o Conselho Diretor, e não sabemos como vão se comportar. A nossa ideia é votar sempre a favor Flamengo, não do Conselho Diretor ou da oposição. As pessoas que estamos tentando colocar lá têm essa visão. Entendemos que eles (diretoria) têm erros e acertos, como qualquer gestão. Muito mais acertos do que erros. A ideia é despolitizar um pouco o que acontece hoje no Deliberativo. Vemos algumas cenas bizarras, e é o nome do Flamengo que está em jogo.
Cotta afirmou que apesar de ser uma eleição diferente da que ocorrerá no fim do próximo ano, o debate nos grupos de email e na sede do clube se tornou muito mais amplo do que o tema em pauta nesta segunda. Por isso, considera que, de certa forma, o pleito desta segunda-feira pode até ser visto como um aperitivo para a disputa presidencial.
– É e não é (uma prévia para eleição de 2015). Não é porque não é uma eleição de presidente, com cabeça de chapa, e é porque envolveu uma discussão que não tem nada a ver com o pleito, que é apenas para se manter a divisão de forças interna no plenário. Mas o que aconteceu na troca de emails, na Gávea, virou uma campanha presidencial. Fugiu totalmente ao objetivo, que era um tema técnico. E aí passa a ser uma antecipação da eleição, sem ser. Uma reunião do Deliberativo, a mais lotada em dois anos, tem 400 pessoas. Você consegue ter uma ideia do que vai ser para frente.
Fonte: GE