Na mais pura intenção de evitar mal entendidos vou logo dizendo que assisti ao Flamengo x Genérico Baiano meio sem querer. Apesar de estar firmemente dedicado à uma lombeira pós-feijoada acabei acordando bem na hora em que se iniciava o desemocionante embate pela trigésima sétima milionésima rodada da aporrinhação sem fim chamada Campeonato Brasileiro.
Um certo mau humor é natural, e até esperado, nos minutos imediatamente após despertamos de um soninho gostoso. Claro que me irritou acordar e ver que o Flamengo, que deveria estar se preparando para o Carioca 2015, teria pela frente mais um jogo extremamente desnecessário, daqueles que a sociedade ganharia muito mais se fosse convertido em cestas básicas ou serviço comunitário. Sim, eu estava ciente que o jogo valia pro pobre Vitorinha a chance de permanecer na Série A, mas, cá pra nós, isso é apenas um eufemismo pra dizer que a pelada não valia porra nenhuma.
Acordei de mau humor, mas foi só a bola começar a rolar pra eu ficar puto de verdade. Com a irritante falta de disposição dos cabras! Os caras estavam dando corridinhas para não chegar, dando bicudas sem direção fingindo que estavam fazendo lançamentos, discutindo uns com os outros no claro intuito de simular eficiência e seriedade, entre outras finas artes do desbaratino futebolístico nas quais nosso elenco é extremamente familiarizado, em flagrante desrespeito com a torcida de Manaus. E o pior, estavam fazendo essas misérias vestidos com camisas, calções e meiões do Flamengo. Até eu, que sou um torcedor frio e controlado, fui ficando revoltado.
Aí tô lá no sofazão, xingando pra caramba a mulambada, super na minha, e o Flamengo, depois de trocentas jogadas bizarras acerta um cruzamento e faz um gol. Gol tão preguiçoso, tão preguiçoso, que a bola cruzou a linha e nem tocou o barbante. Parecia que tinham feito o gol só pra me sacanear e cortar minha justificada torrente de impropérios. Mesmo contrariado em minha intenção exaltei o nome e a boa fase de Everton Bolt, que na ultima vez que tinha feito um gol de cabeça ainda estava na 5a série. Se eu aqui no Rio, na lombeira, cheio de feijão na ideia, pulei com o gol, imagina o galerão lá em Manaus. Tudo certo, mau humor é pros fracos. Vamos Mengão, vamos afundar mais um timinho.
Mas voltamos pra etapa complementar ainda na prega presa, sem agredir o adversário e dando chance pros caras chegarem. Pisco os olhos e vejo que até Erazo estava em campo desfilando sua elegância. Imediatamente mandei as crianças saírem da sala e já estava me preparando espiritualmente pro gol do Vitória quando, subitamente, o caboclo renovador de contrato baixou no campo e soprou no ouvido de nossos craques: – A regra é clara, mizifio, se fizer gol no vitorinha assinamos pra 2015.
Começou uma inexplicável correria desenfreada, parecia até que os nossos jogadores estavam sendo pagos para jogar. Naturalmente que com nego correndo começou a sair gol. PelÉlton fez o dele com grande estilo, NixShow, que até elásticos andou aplicando nos pobres beques vitorianos, fez outro gol lindo, lindo, lindo e o Bolt fez mais um, dessa vez chutando que nem homem. 4×0 incontestável, o Flamengo tinha conseguido limpar sua barra com a rapaziada de Manaus.
A essa altura do jogo eu já estava em outra vibe, empurrando o time e exigindo aos berros mais um pra zerar o saldo. Não fui atendido, mas foi então que percebi a deliciosa relatividade da situação. Era pelada, num horário péssimo, jogo inútil que não valia nada e tal, mas ver o Ney Franco (um dos maiores 71 em atividade do futebol brasileiro) rebaixado mais uma vez para a sua Série B natal estava sendo uma experiência muito legal. Na hora pensei, no seu show de ontem à noite o Paul McCartney devia dedicar ao Ney Franco os seguintes versos: Get back to where you once belong. Beira do caos é lá com as tuas nêga, retranqueiro desprezível! Aqui é Flamengo!
Fonte: Urublog