Deixa a vida me levar, vida leva eu…
Ao melhor estilo Zeca Pagodinho, o Maestro Júnior toca a vida de forma leve próximo dos seus 64 anos. Enquanto se dedica à função de comentarista da TV Globo e organiza o Samba dá Sopa – evento beneficente – no Rio de Janeiro, ele conduz com tranquilidade a idolatria da maior torcida do país. De pele rubro-negra, como se define, o paraibano foi quem mais vestiu a camisa do Flamengo na história: 872 jogos e as conquistas mais importantes do clube.
Júnior tem algumas paixões na vida. A maior delas, claro, é a família formada com a mulher Heloísa, com quem é casado há 34 anos. João Henrique, o primeiro neto, está a caminho – nascimento previsto para o final de junho e que ele só acompanhará pela Internet, já que estará na Copa do Mundo da Rússia. A chegada do caçula o deixa ansioso. Além de tudo, ele será o último dos amigos a se tornar avô. Chora ao pensar na família e ao ouvir sambas – outra enorme paixão – que falam sobre a criação dos filhos e a relação com os pais.
O ídolo é simples. Gosta de tomar cerveja de chinelo de dedo e receber as pessoas em casa, na Barra da Tijuca. Mas nem tudo é festa. Apaixonado pela Mangueira, Escola de Samba do coração, Júnior se mostra indignado com as seguidas viradas de mesa no Carnaval Carioca. A insegurança para circular no Rio, fruto da violência também o perturba, assim como a “nomenclatura moderna” utilizada no futebol.
Em uma hora e meia de conversa com a reportagem do UOL Esporte, o Maestro mostrou aspectos pouco conhecidos até dos maiores fãs e escolheu o samba que mais mexe com o coração para ilustrar o bate-papo: “A vida é mesmo uma missão. A morte é uma ilusão, só sabe quem viveu… Isso é poema, né? Isso é João Nogueira e Paulo Cesar Pinheiro”.
Um mito no Fla e a frustração após 92
Recordista de jogos com a camisa rubro-negra com 872 jogos, Júnior e Flamengo se confundem no imaginário do torcedor. Surgiu no clube nos anos 1970 e se tornou mito ao lado do amigo Zico ao conquistar títulos importantes como o Mundial Interclubes (1981), a Libertadores (1981) e quatro Campeonatos Brasileiros (1980, 82, 83 e 92). O último, em 92, aos 38 anos, foi marcante ao bater o rival Botafogo.
No entanto, a crise financeira provocou uma enorme debandada no clube e impossibilitou a chance de uma nova dinastia na Gávea com a geração formada por Marcelinho, Paulo Nunes e Djalminha.
“O Flamengo passava por dificuldades financeiras ali enormes. Se você for imaginar, Djalminha no Palmeiras, Zinho no Palmeiras, Marcelinho no Corinthians, Junior Baiano em tudo quanto foi lugar que passou, quer dizer… esses caras teriam feito muitas coisas grandes dentro do clube se tivessem estrutura, como hoje, por exemplo, o Flamengo tem. Hoje, o Flamengo não jogaria fora”, frustra-se.
Aposentado, disse “não” ao freguês Botafogo
Depois de ser o carrasco do Botafogo na final de 1992, Júnior teve a chance de vestir a camisa do rival. “O Orlando (amigo) fazia parte lá do grupo do Botafogo e sentou comigo. Falou assim: ‘Aí, vamo lá. Fala aí que eu vou botar num cheque pra você jogar uma temporada no Botafogo’. Falei: ‘você tá maluco, cara. Por mais respeito que eu tenha pelo Botafogo, eu não posso fazer uma coisa dessas’. Esse tipo de relação que eu tenho, hoje, praticamente não existe. Mas era impossível, pelo menos no meu caso, sair de um rival pra outro”.
No auge da carreira, recusou o poderoso Real Madrid
Em 1981, quando conquistou tudo pelo Fla, Júnior teve uma proposta do Real Madrid. A oferta veio de um “empresário de sauna”, como chama alguns agentes que ganham o dinheiro com o suor dos outros. “Depois do Mundial, chegou um senhor de blazer dizendo ser representante do Real. Naquela época, ninguém queria jogar na Europa. Eu disse não. Estava bem no Flamengo. Se tivesse a ideia do que representaria aquela oferta, anteciparia em três anos o fato de jogar na Europa”, disse Júnior, que passou por Torino e Pescara, na Itália.
Perrengue como cartola do Flamengo
Júnior foi jogador e técnico do Flamengo, mas a fase mais difícil se deu em 2004, quando assumiu o cargo de gerente de futebol. O clube não tinha dinheiro para pagar salários e os atrasos costumavam bater quatro meses de forma religiosa. Controlar a insatisfação do elenco era missão das mais ingratas.
Jogadores como Júlio César, Athirson, Júnior Baiano e Felipe foram fundamentais no processo. O time flertou com o rebaixamento mais uma vez no Campeonato Brasileiro, porém foi vice-campeão da Copa do Brasil e levantou o título do Campeonato Carioca daquela temporada.
A forma profissional como Júnior e o técnico Abel Braga trabalhavam irritou dirigentes amadores. Alguns, até hoje, dão seus pitacos nos bastidores. O Maestro contou como se deu o fim daquela passagem pelo rubro-negro.
Foi um ano terrível. Os dirigentes voluntários, os chamados amadores, ficaram contrariados. Não tinham mais autonomia para nada. Foram muitas desavenças, confusões pesadas. As pessoas criaram situações para que a coisa não desse certo. Muito do que tentávamos fazer na época é feito hoje. A diferença é que o cenário financeiro é outro
Júnior, sobre a briga política na Gávea
Fiasco no Corinthians: três jogos, três derrotas e adeus
Fracasso em SP influenciou em não ser mais técnico?
Zero. Se tivesse a obsessão de ser treinador, teria continuado em 1997. Não teria parado, esperado seis anos… Achei interessante o projeto que me foi colocado. Se eu tivesse chegado ao Corinthians na época em que teve o investidor, seria uma outra história
Júnior, que deixou o futebol profissional para se dedicar à TV
Irritação com o nome? Nem pensar! Leovegildo leva na boa
Os mais desatentos só descobriram que Júnior se chamava Leovegildo nas figurinhas das Copas do Mundo de 82 e 86. O dono não se incomoda nem um pouco com o nome inusitado. Pelo contrário: ainda é chamado de “Léo” pelos amigos – que também o chamam de Capacete, Maestro, Vovô Garoto e por aí vai.
“Os apelidos comigo nunca pegaram. Quem tem nome de Leovegildo? Nenhum apelido vai pegar. Já falei para colocar o nome do meu neto de Leovegildo Neto. Todo mundo já disse :‘Não, pelo amor de Deus’. Na Itália virei até Léo Júnior. Isso jamais foi problema”.
Mestre Gama, avô do Maestro, tinha um “império” no Nordeste
Júnior se emociona com samba ao lembrar do pedido de filho
Júnior diz que está mais emotivo com a idade. Um samba em especial, cantado por Lucas Morato, filho da lenda do pagode Péricles, deixa o craque com os olhos lacrimejantes. A canção fala de um filho que reclama da ausência do pai. O tema faz Júnior ir lá atrás, nos anos 1980, quando jogava pelo italiano Pescara, recordando de um pedido de seu próprio filho para retornar ao Flamengo. O desejo virou realidade em 1989 e Júnior pôde levantar taças importante como a Copa do Brasil de 1990, o Carioca de 1991 e o Brasileiro de 1992 para fechar a carreira.
“Meu filho reclamou… Reclamou não: me fez uma consulta um dia. Que foi, talvez, a consulta mais maneira do mundo. Ele tinha cinco anos e um vídeo cassete com os gols do Zico. Via aquela fita todo dia. Quando eu cheguei, falei, ‘E aí, Digo, beleza?’. Ele falou, ‘Beleza, pai, mas quando é que eu vou te ver jogar no Maracanã?'”, recorda-se.
“Essa pergunta me fez dizer pra minha mulher: ‘Vou poder dar tudo pra ele, em termos materiais, mas essa satisfação de me ver jogar no Maracanã, se eu não for agora, vai ser difícil’. Eu já tava com 35 anos. Aí foi exatamente quando eu resolvi voltar. Por ela, a gente tinha ficado mais um tempo”, conta. “Uma das melhores coisas que já aconteceu na minha vida foi comemorar um título com o meu filho no Maracanã em 1991. Porque a gente foi campeão da Copa do Brasil, mas em Goiás, ele não estava. Campeão Carioca ele estava ali, no campo. Tem uma imagem minha com ele e essa imagem, pra mim, vale mais do que qualquer coisa”.
Esposa previu o casamento vendo o Fla no Maracanã
Um dia, em um jogo do Flamengo, ela disse para a irmã: “Ó, eu vou casar com aquele cara”. A irmã falou: “Você é maluca!” E ela casou
Júnior, sobre o casamento de 34 anos com Heloísa
Maestro queria ser veterinário
Júnior sabia das dificuldades para se estabelecer como jogador de futebol. Por isso, estudava caso o sonho não desse certo. Chegou a cursar quatro períodos de administração, embora o desejo fosse fazer veterinária. Interrompeu a faculdade por conta dos Jogos Olímpicos de 1976, em Montreal.
Na época, Sérgio Pereira, reitor da faculdade Cândido Mendes, o chamou para uma reunião por conta do trancamento da matrícula. Naquela altura, já estava difícil cumprir a carga horária mínima, mesmo em horários alternativos, por conta dos treinos: “Ele me disse: ‘Se você trancar a matrícula, não volta mais’. Falei: ‘Tomara [risos]. Porque aí eu tenho a certeza de que a coisa do outro lado deu certo’. E deu”.
Zico é um “irmão” que a vida lhe proporcionou
Me conhecem como o “Júnior do futebol de areia”
Apesar de ter largado os gramados aos 39 anos, Júnior jogou na areia até os 47. Parou em 2001, depois de enfileirar títulos com a seleção nacional e pavimentar a estrada para que o esporte fosse reconhecido no país. Hoje, ainda joga futebol, mas as peladas são cada vez mais raras – o corpo não aguenta.
“Muita gente me conhece como o Júnior da praia [risos]. Tem gente que nem sequer me viu jogar em campo. Foi excelente voltar ao meu habitat natural para me aposentar depois de tanto tempo. Desenvolvemos o esporte, isso foi o mais importante de tudo”.
Aposentadoria aos 47 anos
Jamais imaginaria jogar até os 39 anos e ainda mais oito anos de futebol de areia em bom nível. Não era somente jogar por jogar, era jogar bem
Júnior, que teve poucos problemas físicos na carreira
Marcação alta! Vocabulário de catedráticos tira Júnior do sério
A exposição hoje é muito maior do que naquela época, mas eu me lembro o seguinte: a gente ficava chateado quando perdia. Ninguém queria ir pra praia, ninguém queria ir em restaurante, ninguém queria ir pro shopping. Hoje, me parece que é uma coisa normal ganhar ou perder. É normal para quem não tem a dimensão exata do que representa jogar em certas instituições
Júnior, sobre a naturalidade das derrotas no futebol atual
Forças ocultas me tiraram da Copa-78
Júnior e o técnico Cláudio Coutinho eram muito próximos. O agora comentarista estava com o amigo quando ele decidiu mergulhar para matar a saudade do mar carioca, já que estava morando em Los Angeles. Coutinho nunca mais voltou. “Estou esperando até hoje”, lamenta.
Coutinho foi quem fez Júnior evoluir no futebol. Lições, conversas e ensinamentos são guardados até hoje. O Capacete perdoou até mesmo o fato de não ter sido chamado pelo comandante para a Copa do Mundo de 1978. Acabou preterido por Edinho e Rodrigues Neto.
“Não ficou nenhum resquício, nenhuma mágoa em relação àquilo. Eu entendi, depois, que talvez não tenha sido a vontade dele. A vontade dele, certamente, era outra, de ter me levado. Até pela amizade, por tudo aquilo que a gente tinha. Mas alguma situação o obrigou a me deixar fora da lista”, disse.
Legado da seleção de 1982 chegou até o Guardiola
Foi uma pena Zico não estar em forma em 1986
A única coisa que faltou foi o Zico estar 100% fisicamente para jogar como titular desde o início. Tínhamos outros grandes jogadores, mas ninguém com a capacidade de armação e finalização que o Galo sempre teve. Se ele estivesse 100% fisicamente naquela Copa, teria algo diferente daquilo ali. Do jeito que estava, ainda fez muita coisa
Júnior, sobre a frustração pelo craque do time no México-86
Casão poderia ter se omitido sobre a vida pessoal do Neymar
A polêmica entre Casagrande e Neymar foi avaliada com tranquilidade por Júnior. Em fevereiro, o também ex-jogador e comentarista chamou o atacante de “mimado” e criticou de forma severa o individualismo demonstrado com a camisa 10 do Paris Saint Germain. A afirmação gerou réplica do pai do craque brasileiro e deixou o clima complicado entre os envolvidos.
“Acho que o Casa fez somente um comentário a respeito da vida pessoal. Talvez fosse melhor omitir. Nós somos comentaristas esportivos, de futebol. E comportamento, aí já não é a minha praia. Aí tem as pessoas especializadas para dizer se está certo ou errado. Posso e tenho a minha opinião, mas não vou emitir, pois acho que não vale a pena. Dentro das quatro linhas, acho que estou bem para comentar”, explicou.
Nunca me obrigaram a falar nada nesses anos todos de profissão. Jamais! Sempre me deixaram à vontade. É a minha responsabilidade. Logicamente, cada um sabe até onde pode ir
Neymar no auge na Copa-18 é um ponto de interrogação
Júnior comentará a Copa do Mundo. Como profissional e torcedor da seleção brasileira, ele tem uma preocupação clara: Neymar. Durante a carreira, viu a dificuldade de alguns jogadores em voltar a jogar no nível conhecido em curto espaço de tempo. O camisa 10 do Brasil é uma incógnita para o Maestro.
“Ele vai voltar bem? Vai voltar bem. Vai ter o tempo suficiente para recuperar a forma em que estava quando se machucou? Eu acho que isso é o grande ponto de interrogação. O lance é estar novamente no auge da forma na Copa do Mundo. É a mesma coisa que tirar Cristiano Ronaldo de Portugal, Messi da Argentina… Perde a cereja da torta. Esses caras levam milhões e milhões de torcedores aos estádios. Eles têm uma importância muito grande, inclusive no exemplo para essa molecada que vem aí”.
Ao estilo Zeca Pagodinho
Sabe o Zeca Pagodinho? Deixa a vida me levar, vida leva eu… [risos]. Eu sempre fui o cara da esquina. Da sandália no dedo, do botequim, tomando cerveja com a rapaziada, jogando uma pelada quando podia. E da família. Eu vivo para a família. Quando não estou trabalhando, estou em casa. Gosto de praia, de samba, de me divertir. Gosto de um bom vinho, de receber as pessoas em casa, gosto dos meus amigos
Júnior, sobre como ele se vê
Voa Canarinho, Voa
Em 1982, Júnior foi intérprete de uma música que tocou no Brasil inteiro: “Voa Canarinho, Voa”, que marcou a campanha da seleção na Espanha. O “Maestro” falou sobre a sua forte ligação com o samba e com os grandes intérpretes e compositores. Uma das suas canções prediletas é “Missão”, feita por João Nogueira em homenagem ao filho Diogo. “Peguei a galera (do samba) toda no início. Eu peguei Fundo de Quintal, peguei meu amigo Arlindo (Cruz), que está se recuperando, Beth Carvalho, Jorge Ben ia no ônibus com a gente. O meu maior ídolo do samba quando eu comecei foi João Nogueira, que ia no ônibus com a gente para o Maracanã. Quer dizer, esses caras todos fizeram parte da minha vida e eu agradeço de poder ter participado com eles”, comenta o craque.
Carnaval está manchado
Fanático pela Mangueira e um autêntico frequentador dos Desfiles das Escolas de Samba do Rio de Janeiro, Júnior está desapontado com uma de duas maiores paixões. Pelo segundo ano consecutivo, os cartolas da Liesa (Liga Independente das Escolas de Samba) viraram a mesa e cancelaram rebaixamentos consumados nas notas dos jurados. “A coisa que tinha mais credibilidade está se perdendo. Parece que é o reflexo de tudo o que está acontecendo na sociedade. Ninguém aceita mais isso e queremos que mude. Grande Rio e Império Serrano desfilarão sem merecer. Você sair com merecimento, caramba! Isso é um negócio espetacular. Mas você estar em lugar depois de tudo o que aconteceu tem um peso muito ruim”, critica
O medo da violência no Rio de Janeiro
Fã da Cidade Maravilhosa, Júnior passou a experimentar também a incômoda sensação vivida pelos cariocas de um tempo para cá: o medo de sair nas ruas em determinados horários. A falta de segurança gerou até Intervenção Federal. O ídolo do Flamengo e comentarista da TV Globo é apenas mais um a lidar com o problema diariamente. “Eu tenho que conviver com isso ou ficar trancafiado dentro de casa. Antigamente, a gente sabia os lugares em que não deveria ir. Agora não tem mais isso. Não tem hora, não tem lugar. Infelizmente, não temos a certeza se vamos sair e voltar. Isso é ainda pior quando os filhos estão na rua. Todo mundo precisa viver, estudar, trabalhar… É uma coisa que incomoda muito. Espero que a Intervenção Federal dê resultado. A curto e a médio prazo, não acredito. Mas a longo prazo, se permanecer, acho que vão conseguir, pelo menos, amenizar um pouco a situação. Porque, realmente, está insustentável.
Reprodução: UOL Esportes
Chego a gostar mais do Maestro Júnior que do Deus Zico, pois na minha infância o vi jogar e destruir no Mengão, enquanto o Galo ensinava os japoneses o que é futebol.