O futebol brasileiro despertou olhos para o Flamengo no duelo de quarta-feira para o Grêmio. Se antes a liderança do campeonato nacional não era digna de um olhar mais apurado, o fato de se impôr em plena Arena e empurrar o campeão da América em seu campo fez surgir holofotes de todos os cantos do país. Gera, então, expectativas naturais. Se foi capaz de ser tão dono do jogo diante do time titular do Grêmio, que dirá dos reservas? Nesta hora, porém, carece o olhar mais apurado, a intimidade com o jeito peculiar de o Flamengo tocar a vida. Quando as condições se apresentam favoráveis, o vento está a favor, a tempestade chega. Do céu ao inferno. Bastaram menos de três dias. Apático, sonolento, quase desinteressado. Um Flamengo às avessas e às voltas com os fantasmas de 2017 em Porto Alegre e, uma vez mais, arriscou a liderança em uma vexaminosa derrota de 2 a 0 diante do expressinho gremista.
Não há nem mesmo a possibilidade de utilizar a escalação mista como desculpa. Afinal, Mauricio Barbieri poupou, mesmo, Léo Duarte, Rever e Diego. Vitinho foi contratado para ocupar a vaga de titular. E pela primeira vez o fez. De restante, o time em campo era o Flamengo líder do campeonato. Ainda que brevemente modificando, uma vez mais no 4-1-4-1. Uma maneira de não provocar mudanças tão profundas assim na equipe, em sua estrutura. Por outro lado, um erro: deu a possibilidade de Renato Gaúcho montar o seu Grêmio completamente ciente do que iria enfrentar em campo. Ao time gaúcho, não houve surpresas. Afinal, mesmo com reservas, o Grêmio não foi o mesmo. Adaptou-se às circunstâncias.
Ficou claro desde o início. Tradicionalmente adepto do 4-2-3-1, vasta troca de passes e imposição, principalmente em casa, o Grêmio reconheceu o tamanho do Flamengo. Uma admissão ao deixar o time no 4-4-2 e esperar. Apenas Douglas e Jael mais adiantados. Marinho fechava pela direita e Pepê pela esquerda. Mera armadilha. O Grêmio, três dias depois, queria o Flamengo em seu campo. Queria que avançasse. Queria o contragolpe com velocidade pelas pontas. Dar o bote pelo meio e acionar os lados. Deu a falsa impressão inicial de que o Flamengo mandaria uma vez mais na partida.
Pois o time de Barbieri mostrou movimentação até interessante nos dez minutos iniciais. Everton Ribeiro, geralmente na extrema direita, aparecia na ponta esquerda. Caiu por dentro. Voltava à direita. Paquetá, igualmente. Jean Lucas, substituto de Diego, caía à direita. Mas aí um detalhe: embora tenha tentado se adaptar ao jogo do time, o camisa 18 carrega demais a bola. Gosta de ter a posse e acelerar. Não fazer a pelota correr de pé em pé. Ao tentar avançar por dentro dando vazão às suas características, Jean Lucas invariavelmente acabava desarmado por Thaciano ou Jailson. Com isso, até o jogo lateral, de pé em pé, diminuiu no Flamengo. E o time estava mais desorganizado, espaçado. Ainda com passadas a acertar.
Vitinho tem muita qualidade. Drible, finalização. Mas instintivamente procura o meio para tentar o diálogo com Uribe, tabelar e entrar na área. Vinicius Junior ia ao fundo, chamando Renê para avançar até por dentro. Com o novo reforço ocupado este espaço, o lateral evitou o avanço à linha de fundo algumas vezes. É, claro, questão de entrosamento, diálogo. Vitinho pode ser mais incisivo pelo fundo, usar o drible. Mas de forma tão pouco objetiva, o Flamengo perdeu-se sozinho na partida. Não mostrava a volúpia necessária de quem, com uma simples vitória sobre um time de reservas, manteria a liderança. Na verdade, parecia um time frio e soberbo de que fatalmente faria o gol e levaria a vitória. Salto alto que levou a uma profunda apatia.
Obviamente há elementos táticos e técnicos para explicar derrota tão impactante e vexaminosa. Everton Ribeiro, por exemplo, foi desarmado inúmeras vezes, errava passes fáceis. Em um desses, o Grêmio puxou contra-ataque da direita para dentro, com Marinho. Dali a Douglas, fazendo a bola chegar em Cortês na esquerda. O lateral cruzou na mão de Rodinei, em pênalti marcado e desperdiçado de forma bisonha por Jael em cobrança que facilitou a vida de Diego Alves. Era um alerta. Sim, o Flamengo poderia ser derrotado pelos reservas gremistas mesmo com tantos titulares. Deveria ter postura de quem defende a liderança. De quem deseja a taça. Sem lentidão.
Mas Paquetá, por exemplo, voltou a apresentar a displicência rotineira pós-Copa. Passadas de pé em cima da bola, giros desnecessários. Parece ter perdido muito da sua vitalidade, um diferencial. Além disso, modificações cobram preço. A já mencionada posse excessiva de Jean Lucas. Vitinho, ainda tentando entender sua função dentro da estrutura apresentada por Barbieri. No jogo da Copa do Brasil, o atacante ficou mais na ponta. Desta vez, como dito acima, cansou de buscar espaço por dentro. Por vezes, caiu à direita. Instintivamente. Distraidamente. Parece detalhe. Mas fatal diante de um Grêmio tão consciente do que deveria fazer. Aproveitar os lados. E o lado esquerdo do Flamengo era um convite.
Léo Santos fazia ótima cobertura e tinha o luxuoso auxílio de um esforçado Marinho no vaivém. Foi o nascedouro do gol gremista quando o Flamengo, do alto de sua empáfia, já considerava o primeiro tempo zerado em gols. Vitinho saiu ao lado direito para dividir bola. Jean Lucas, no setor, dominou bola com a mão. Na cobrança de falta, a bola saiu da direita para o meio, do meio para a esquerda rubro-negra. Vitinho, por dentro, a trotar, não acompanhou Léo Santos, que recebeu em campo aberto e teve marcação distante de um Renê, posicionado na área e que tentou ao menos diminuir espaço. Não adiantou. A bola viajou até a área e Thuler, sozinho com Marinho e Jael sem o auxílio de um perdido Juan, não foi páreo pelo alto. 1 a 0.
Esperava-se, portanto, um choque de realidade no Flamengo, impactando na postura para a segunda etapa. Um time mais ligado, veloz, agudo. Mas não. Era, ali, o Flamengo de 2018 com o espírito de grande parte do Brasileiro de 2017. Apresentava problemas, lentidão. E a palavra recorrente da noite: apatia. Explica a desorganização. Cuellar, por exemplo, foi mais à frente do que em partidas recentes. A distância entre meio e defesa se agigantou. Ali, Douglas tinha espaço para jogar, encaixar o passe. A solução encontrada pelo veterano Juan foi se antecipar e matar a jogada nos pés do camisa 10 gremista. Ainda que tivesse de avançar ao meio. Parece detalhe. Mas foi, de novo, fatal. Com dois minutos da etapa final, Juan deu o bote em Douglas, que conseguiu dar a casquinha na bola para Jael. Thuler se adiantou e Marinho, nas costas do camisa 4, invadiu a área e recebeu, tocando na saída de Diego Alves. E o Flamengo, então, estava morto de onde saíra tão vivo três dias antes. 2 a 0.
Barbieri tentou, em vão, recolocar o Flamengo no jogo. Geuvânio na vaga de Jean Lucas, buscando drible, velocidade, um time mais agudo. Sacou Vitinho e colocou Marlos Moreno pela esquerda. Ao fim, Lincoln no lugar de Everton Ribeiro, buscando maior presença na área. O Grêmio não se intimidou. Fechou ainda mais os espaços, chamou o Flamengo e se viu confortável na Arena. Renato manteve o posicionamento do time. Teve boas chances, como chute de Pepê salvo por Diego Alves. Ficou barato. Se os números muito disseram sobre a impressionante partida de quarta, desta vez foram traiçoeiros. O Flamengo teve, de acordo com o Footstats, 65% de posse de bola, finalizou oito vezes a gol e trocou 524 passes contra 241 dos gremistas. Em vão. Um domínio da bola vazio. Não um domínio de ideias. Há um alerta a ser tocado no Ninho do Urubu.
Ao retornar da paralisação da Copa, o Flamengo mostrou ter perdido o embalo. Lento e disperso contra o São Paulo, em revés imperdoável no Maracanã. Diante de um Grêmio reserva, a vitória se apresentava como crucial. Apático, o Flamengo foi vexaminoso. Mostrou ter uma ideia de jogo amadurecida, mas não uma postura. Em nada lembrou o time que deixou a alma em campo para empatar o jogo na bacia das almas contra os titulares gremistas três dias antes. Em tudo lembrou o time sem ambição contra o River Plate na primeira fase da Libertadores, que despertou a ira da torcida. O ambiente favorável criado de forma justa com elogios pelo jogo de quarta-feira foi comprometido. Caso perca a liderança, a pressão volta em fogo alto no Ninho do Urubu. Uma vez mais, o Flamengo não conseguiu fazer a leitura do panorama macro necessário para buscar o título brasileiro. De novo falhou. E abriu a porta para velhos fantasmas. Vexame.
FICHA TÉCNICA
GRÊMIO 2X0 FLAMENGO
Local: Arena Grêmio
Data: 04 de agosto de 2018
Horário: 19h
Árbitro: Rafael Traci (PR)
Público e renda: 14.649 pagantes / 16.588 presentes / R$ 499.161,00
Cartões Amarelos: Jailson, Matheus Henrique e Thaciano (GRE) e Juan, Cuellar e Renê (FLA)
Gols: Jael (GRE), aos 46 minutos do primeiro tempo e Marinho (GRE), aos dois minutos do segundo tempo
GRÊMIO: Paulo Victor, Leonardo Gomes, Paulo Miranda, Bressan (Matheus Henrique, 35’/1T) e Cortês; Jailson e Thaciano; Pepê (Thony Anderson, 41’/2T), Douglas e Marinho (Alisson, 31’/2T); Jael
Técnico: Renato Gaúcho
FLAMENGO: Diego Alves, Rodinei, Thuler, Juan e Renê; Cuellar; Everton Ribeiro (Lincoln, 31’/2T), Jean Lucas (Geuvânio, 12’/2T), Lucas Paquetá, Vitinho (Marlos Moreno, 23’/2T); Uribe
Técnico: Mauricio Barbieri
Reprodução: Pedro Henrique Torre / Chute Cruzado
Eu não estou puto pelo fato de ter perdido. Até porque perder para o Grêmio em PoA é normal. Um empate ali é considerado vitória. O que incomoda é ter visto o Vitinho assumir a função de cobrador de faltas, sendo que chegou ontem, seu histórico não o aponta como especialista do fundamento e tínhamos Paquetá e Everton Ribeiro em campo, que treinam todos os dias e possuem essa qualidade… O que incomoda é esse indicativo de bagunça. Falta de critério!
Quero ver o jornalista que terá culhões de questionar o Barbieri sobre essa incumbência do Vitinho cobrar as bolas paradas? Não é possível que ele vá atribuir ao desempenho nos treinos… Eu só queria ouvir uma explicação minimamente razoável dessa escolha.
O problema de sempre, a inconstância, não tem vencido, no brasileiro, os maiores times.
O que eu observei foi o Renato Gaúcho corrigir seu time no decorrer do primeiro tempo, quando a lesão de um zagueiro obrigou e possibilitou uma mudança. Seu mérito foi fugir do óbvio. Em vez de recorrer à opção de um zagueiro jovem, ele preferiu recuar o volante Jailson para a defesa e lançar mão de um meia-atacante.. . Essa história de que o técnico gremista planejou uma arapuca para flagrar o Flamengo com as calças curtas é engenhosa, bonita e muito bem contada, porém, fantasiosa.
inferno não
O Flamengo foi o de sempre. Medroso. Não vence no RS nunca. E mais: que time campeão brasileiro em anos anteriores perdeu estando na liderança para um expressinho, um time reserva?? Corinthians de 2017 e 15? Palmeiras de 16? Nenhum. Não temos postura de time que vai ser campeão brasileiro. Vexame,sim.