República Paz e Amor – É sabido que, além de humildes, somos magnânimos. Essa outra característica está colada à nossa alma tanto quanto o vermelho e preto à nossa pele. Não podemos ver um jogador com o nome de Cocada ou Pipico, que abdicamos da nossa tradição vencedora e tratamos de fazer o bem ao próximo. Exatamente por isso, passei a achar razoável a possibilidade de não derrotarmos o Botafogo neste campeonato, visto que o outrora respeitável alvinegro ameaçava escalar um ataque com Pimpão e Pimentinha.
No meio da semana, quando li que Pimpão se lesionara e que Pimentinha percebeu que não fazia sentido trocar um clube em ascensão, como o Sampaio Corrêa, por outro em decadência, pensei: puxa vida, eles perderam a chance. Mas era tarde, e o jogo com o Botafogo mostrou que o time rubro-negro já estava dominado pelo desejo de melhorar a autoestima do coirmão.
É fato que Vanderlei Luxemburgo colaborou. No final do ano passado, nosso técnico não se cansava de repetir nas entrevistas: “Centroavante, esquece. Centroavante fixo é uma coisa em extinção.” Há muito tempo penso da mesma forma e não me iludo com centroavantes tipo postes, que fazem seus golzinhos aqui ou ali. Isso talvez venha a ser tema de outro texto, mas a pergunta que se impõe é: por que, depois de um começo de temporada apostando num time de movimentação e velocidade, sem essa aberração chamada “homem de referência”, Vanderlei andou alguns anos para trás e retitularizou Alecsandro?
Só há uma resposta aceitável: magnanimidade. Querer jogar com um a menos para equilibrar as coisas. Proporcionar um segundo momento de alegria aos torcedores desse clube que já foi tão importante e agora segue firme no caminho do apequenamento. (O primeiro momento de alegria veio junto com a fatura do pay-per-view, sempre mais em conta para quem compra a série B.)
Não se trata de discutir as qualidades ou os defeitos de Alecsandro. A questão é que, com ele entrando de cara, o time muda completamente o jeito de jogar, fica lento e previsível. Assistir aos jogos pela tevê traz vantagens e desvantagens, percebe-se melhor certas coisas e perde-se outras. Houve um lance em que o Cirino disparou pela direita, chegou à lateral da área pronto para cruzar, levantou a cabeça, e Alecsandro sequer aparecia na tela. E olha que minha tevê tem sessenta polegadas.
Sou sócio-torcedor, claro, mas vou perguntar ao meu amigo Muhlenberg quanto custa um plano igual ao do Alecsandro, que permite ao cidadão comum vestir a camisa do clube e acompanhar o jogo de dentro do campo. Seja quanto for, o privilégio compensa.
Entretanto, há o outro lado da história: é possível que não tenha existido magnanimidade alguma e que tenhamos perdido simplesmente porque essas coisas acontecem. Ou, como sabiamente conceituou a Nivinha no vídeo pós-jogo, o que houve foi mais uma flamenguice.
Querem saber? Apesar de nada na face da terra justificar uma derrota para um adversário tão fraco – escutem o que digo: vai cortar um dobrado para voltar à primeira divisão esse ano –, o resultado pode ensinar que nosso time tem que estar sempre batendo no limite das possibilidades. Ser muitíssimo bem treinado e escalado, condicionamento físico nos trinques (nosso bom zagueiro de vidro saiu, pela enésima vez, contundido), seriedade, concentração, pegada e aproveitamento das oportunidades.
Sem o Everton perdemos rapidez e intensidade. Bidu. Mas será que toda vez que jogarmos sem o Everton seremos tão indigentes em termos de produção ofensiva? Quando se tem um time nota seis, e que vai a sete ou sete e meio nos dias mais inspirados, um time em que consciência tática, marcação firme e bom aproveitamento das poucas situações de gol que surgem são tesouros valiosíssimos, essas derrotas incompreensíveis servem para recolocar as coisas em seus lugares e nos manter presos à realidade.
O pior que pode acontecer ao nosso time é, como dizia minha avó, comer galinha e arrotar faisão.
Jorge Murtinho